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O velho projeto Brasil – Salete Rêgo Barros

Artigo dedicado às crianças


Ao contrário de um bom vinho, com o tempo, o projeto Brasil fica cada vez mais ácido em sua plena maturação. Após 500 anos de colonialismo, monarquia e império, e de uma nova república de bananas, arraigada aos vícios imperiais sob a falsa égide da democracia, a nação contabilizava algumas conquistas importantes até 2018, à custa de muita luta em prol da eliminação do fascismo caracterizado pelo racismo estrutural, preconceito, machismo, misoginia e homofobia, que deságuam na desigualdade social. No entanto, na última disputa eleitoral, manipulada por serviços de (des)informação, o povo escolhe um perfil de governo vira-latas para representá-lo, o que gera um retrocesso em todos os setores. Agora, o país avança a passos largos em direção ao abismo que serve de receptáculo à riqueza produzida pela nação, com a conivência do próprio povo que, vítima da falta de educação, segue anestesiado pela falácia de interesses do sistema financeiro, sem se aperceber da manipulação maior que envolve todas as áreas estratégicas da sociedade, principalmente, a Educação, e os setores artístico e cultural, sempre perseguidos e caluniados pelos que temem o conhecimento.
Para chegarmos a este entendimento basta que seja degustada a narrativa reflexiva contida nos clássicos da literatura brasileira, escritos ao longo das diversas fases estabelecidas pelos críticos (destaque-se aqui a importância das obras de Machado de Assis, Euclides da Cunha, Guimarães Rosa, Monteiro Lobato, Érico Veríssimo e Ariano Suassuna, entre outras grandes). A expressão artística ali contida, assim como em outras linguagens, nos fornecerão subsídios para tal avaliação, aliados aos meios de comunicação alternativos, à tradição oral e à história não-oficial.
As antigas fofocas, agora, são produzidas pelas máquinas de ódio, em larga escala – aquelas que se dão à boca miúda com interesses escusos de desqualificar, comprometer e induzir o povo a agir sem pensar, a todo instante. Nada mudou. Tudo continua perverso como sempre esteve, apenas, com duas grandes diferenças: a velocidade de transmissão das notícias falsas, impulsionadas pela tecnologia, e a parada geral em 2020, quando o novo coronavírus chega para levantar questões que se encontravam “deitadas eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz de um céu profundo”.
Sobre a informação tecnológica é bom que se atente para os males provocados pela velocidade e superficialidade com que ela acontece – prescinde de análise, pesquisa e avaliação de fontes, o que a torna rasa e passível de deturpações, prejudicando a formação de crianças e jovens, se não bem orientada, induzindo ao erro analfabetos políticos e funcionais.
Pessoas nascem, crescem e morrem enquanto o projeto ambicioso, desenhado há séculos no além-mar, continua em vigor sendo executado numa cadeia interminável de idas e vindas. Dolorosas, as fissuras aparecem sempre que o assunto é levantado por vozes que se erguem no meio da multidão. Vozes que são invariavelmente silenciadas. No entanto, “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. E a arte resiste e persiste e insiste como instrumento de reflexão, sem perder a dimensão lírica que lhe é peculiar. A criação artística é o poder popular, porém, menor que o econômico, que ultrapassa todos, inclusive o político.
Para que a realidade seja assimilada, basta que furemos a bolha em que fomos metidos. É como se estivéssemos às margens de um rio, apenas, observando a catrevagem vinda ninguém sabe de onde, arrastada pela correnteza, a exemplo do que aconteceu com o senhor encarregado de gerenciar a economia brasileira no período 2019-2022. De repente, ele se dá conta de que existem milhões de invisíveis – os não-cadastrados no CPF, sem endereço, sem perspectivas de um trabalho que lhes dê uma vida digna mínima. É claro que esses aí não interessam à continuidade do projeto, já que não ajudam a manter a engrenagem funcionando e abastecendo os cofres particulares do sistema financeiro. “Os invisíveis só geram despesa ao Estado”, segundo a (des)informação oficial, que não computa a sonegação de impostos das grandes empresas, a não-taxação das grandes fortunas, as rachadinhas, os altos salários dos servidores públicos de elite com todos os seus penduricalhos, e o roubo que acontece em todas as esferas da administração pública, disfarçado de “desvio de dinheiro público”.
A constatação de tudo isso fica bem evidente quando nos deparamos com a necessidade de utilizar o serviço público, demonizado sorrateiramente para que seja depois bravamente resgatado pela iniciativa privada, que só visa os próprios interesses e não os do povo – isso é lógico e inquestionável. Parte dela pousou de caridosa durante a pandemia, em horário nobre. E pegando carona na caridade segue o comercial das marcas.
E aqui vai o depoimento de quem precisou do sistema público estadual de saúde: consultado o sistema privado, por oferecer maior conforto a quem se encontrava submetida às urgências da doença e do medo, chega-se a uma conta estratosférica, que vai de uma consulta na emergência – R$ 2.500,00, a uma caução de R$ 20.000,00 para internação, fora a equipe médica composta por cirurgiões, anestesista, fisioterapeuta, nutricionista e por aí vai. Isso sem contar com a possibilidade de uma estadia de 3 dias na UTI, no pós-operatório, que veio a se confirmar depois. Resumindo: a família arcaria com mais de R$ 50.000,00 em 7 dias, numa perspectiva otimista.
A decisão final coube à paciente que, por opção lúcida e consciente, recusa-se a pagar mensalmente por um “plano de doença”, já que o pagamento de seus impostos daria de sobra para arcar com o seu bem-estar durante toda a sua vida. Se bem administrada, a arrecadação de um terço de tudo o que cada um de nós recebe por mês, seria mais que suficiente para cuidar do bem-estar de todos com eficiência e conforto. O nosso plano de saúde, educação, segurança, econômico e ambiental já está sendo muito bem pago. Para que sermos penalizados com uma das maiores cargas tributárias, do mundo, e pagarmos tudo em dobro quando precisamos? Tem gente tirando muito proveito de tudo isso ou não tem? É preciso que se acorde para essa realidade. Do contrário, as crianças de hoje não terão amanhã.
Abdicar ao conforto da privacidade, do ar condicionado, da TV e do frigobar, não é uma decisão fácil num momento de extrema fragilidade. No entanto (agora entra em cena a surpresa dos bolhenses), competência, eficiência, amorosidade, cuidados essenciais da equipe médica e de enfermagem, isso o serviço público de saúde tem para oferecer a todos, ao contrário da informação que é passada à sociedade.
O que não existiu, neste caso, foi o serviço de hotelaria oferecido pela rede privada nem, tampouco, equipes bem treinadas quanto à humanização do ambiente hospitalar. “Trabalhar com enfermagem no serviço público é aprender a dar nó em pingo d’água todos os dias” dizia uma enfermeira ao customizar 3 fraldas descartáveis tamanho P para serem utilizadas em um paciente tamanho GG, e ao improvisar garrotes utilizando luvas descartáveis. Para onde está indo o dinheiro das compras de fraldas de todos os tamanhos, garrotes apropriados, e do abastecimento da farmácia com uma maior diversidade de medicamentos? Para enjoo o que existe é Plasil, e pronto. Quem quiser Vonau, que peça a um familiar para trazer.
As instituições privadas se utilizam do serviço público para formar seus alunos (no caso dos hospitais-escola); pegam carona na larga experiência dos vocacionados que dedicam suas vidas a cuidar do outro por salários injustos, se comparados aos da elite dos três poderes; e depois cobram preços exorbitantes dos que merecem o conforto que o momento de maior fragilidade do ser humano, exige (e a que todos têm direito), utilizando os serviços profissionais dos que foram formados à custa dos impostos que pagamos. Tem alguma coisa errada ou não tem?
Evidencia-se aí o grave erro de gestão do sistema em vigor, o conformismo das pessoas, o silêncio dos que têm obrigação de fazer barulho, de chamar atenção, de tomar providências para que todos, sem exceção, tenham dignidade na saúde e na doença; na vida e na morte.
Propositalmente (des)informado, parte do povo segue ladeira abaixo sem uma educação libertadora e emancipatória que lhe dê condições de furar a própria bolha; de rejeitar discursos politiqueiros que antecedem as eleições; de fazer escolhas acertadas; de se deixar manipular pela notícia falsa; de servir de mula para a (des)informação; de permitir que as instituições democráticas sejam minadas por dentro.
Que espécie humana é essa que não se mostra indignada com tanta injustiça e não parte para a ação? Cadê a prática da empatia, do sentimento gregário e do amor ao próximo tão decantando pelos ditos espiritualizados? Salvo algumas exceções, as religiões foram mercantilizadas com o objetivo de servir aos seus pastores, que se utilizam do sagrado e dos mistérios da fé para manter os fieis sob seu domínio e controle com respaldo oficial, o que torna a situação ainda mais grave, ao ser desenterrada a mistura mofada Estado X Igreja.
Fiat lux!
A descoberta do amor
Ensaia um sorriso
e oferece-o a quem não teve nenhum.
Agarra um raio de sol
e desprende-o onde houver noite.
Descobre uma nascente
e nela limpa quem vive na lama.
Toma uma lágrima
e pousa-a em quem nunca chorou.
Ganha coragem
e dá-a a quem não sabe lutar.
Inventa a vida
e conta-a a quem nada compreende.
Enche-te de esperança
e vive a sua luz.
Enriquece-te de bondade
e oferece-a a quem não sabe dar.
Vive com amor
e fá-lo conhecer o mundo.
Mahatma Gandhi
Salete Rêgo Barros
Cidadã do mundo

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