A época Junina aguça todos os sentidos e sentimentos. Este ano, com o isolamento social, causado por um desconhecido invisível, vamos ter um São João diferente, mas igual na sua essência. O São João nordestino está na alma de nossa gente, pode-se até querer modificá-lo impondo músicas e danças de outra região, mas, a nossa cultura é resistente e não é caricata. As lembranças ficam mais nítidas nesta época, em que não podemos sair e nossa liberdade está restrita. Então, as lembranças vão aparecendo, como numa caixa de velhas fotos, misturadas e sem cronologia definida. Íamos à casa de tio Paulo para ver ele soltar balões, tínhamos que ficar de longe, era perigoso, lembro de alguns balões que se incendiavam antes de subir. O cheiro das fogueiras, está presente no meu olfato afetivo, papai nos levava para ir vê-las pelos bairros afastados. O paladar, fica lembrando das canjicas da minha avó Carmelita; com o caldeirão cheio, ela mexia sem parar ficando com as bochechas vermelhas e os braços, todo salpicado das borbulhas da massa, o resultado: dezenas de pratos de todas as louças da casa, a branca com borda amarela, linda! Comia ainda quente, uma delícia salpicada de canela. A música é contagiante, nossa audição fica treinada a perceber um bom forró, no primeiro acorde, e aí, não dá para ficar parada, é um remelexo só, no tengo, lengo, tengo… Já em março, no dia de São José, aprendemos que é o dia para plantar todo o milho, e se ajuda a providência, ter milho a “grané”. Prefiro o milho cozido, daqueles bem verdinhos, com os grãos ralados como só D.Lourdes sabe fazer, comer na própria espiga e chupar o sabugo para tirar o caldinho salgado. Fazer o pé de moleque, com a receita de Vovó Eurydice, na casa de vovó Carmelita, era um acontecimento, a massa ficava de molho de um dia para outro para ser espremida num pano branquinho, tarefa para tio Tadeu, porquê tinha que ter força; leite do coco; primeiro o grosso depois um caldo mais fino; lembro detalhadamente da máquina de carne fixada no parapeito da janela, onde eu era encarregada de moer as castanhas com a erva doce, diversas vezes, com cuidado para não moer os dedos. O processo era muito demorado, o próximo passo: misturar tudo num tacho, e lá vinha o café coado no pano. A massa grossa era colocada nas formas e para finalizar, castanhas inteiras. Agora, era esperar uma eternidade, para o pé de moleque ficar pronto. Nunca mais comi outro, que tivesse aquele gosto. A véspera de São João é também o aniversário de minha irmã Elizabeth, e na nossa casa sempre é uma festa. Desde sempre, a decoração de bandeirinhas e balões, as comidas típicas, as músicas e; meu tio Élio com sua camisa xadrez de tergal, comprada nas Casas José Araújo. As comemorações do Santo e do aniversário de minha irmã se confundem nas minhas lembranças, não existe um sem o outro e se completam na alegria de uma quadrilha tradicional, no improviso, como eram aquelas, que íamos dançar nas ruas do bairro da Torre, sem coreografias. Este ano será diferente, mas, que bom que temos tantas lembranças que valorizam nossa cultura. E, como cantava o nosso Rei do Baião: ”Olha pro céu, meu Amor, vê como ele está lindo… Ai que saudades que sinto; das noites de São João! das noites tão brasileiras, das fogueiras, sob o luar do sertão … Ai quem me dera voltar, pros braços de meu xodó; saudade assim faz doer e amarga que nem Jiló; mas, ninguém pode dizer que me viu triste a chorar; Saudade o meu remédio é cantar… Luís, respeita Januário!… Mas, o Doutor logo examina, chamando o pai do lado, lhe diz logo em surdina, o mal é da idade e pra tal menina, não há um só remédio em toda medicina: Ela só quer, só pensa em namorar… Nem se despediu de mim…” . Vamos vencer, e voltar ao nosso aconchego.
Eloisa é Engenheira Civil, Mestre em Engenharia pela UFPE. Conselheira do CREA/PE, Diretora da Mulher do Senge/PE.
Respostas de 19
Minha irmã, Simplesmente fantástico o seu texto, me fez voltar ao passado e muitos fatos comentados eu pude também presenciar, são fatos de uma família Pernambucana numerosa com tradições bem marcantes e que são perpetuadas ao longo das gerações. Não por acaso também uma época muito importante para mim, onde comemoro meu nascimento que foi justamente ocorrido na véspera de São João e onde comemora-se com fogos e fogueiras, além das comidas e bebidas marcantes, não tem como passar desapercebido, por mais que este dia para mim tenha uma pitada de nostalgia, afinal mais uma primavera se vai, mas como nossa sábia Mãe diz, melhor envelhecer do que morrer!. Beijos fraternais. Elizabeth Basto
Que lindo minha irmã! Como disse, o São João sem seu aniversário não teria a menor graça! Obrigada. Beijos
Lagriimas de saudade e felicidade ao ler o texto.inteligente e afetuoso de Eloisa Moraes. Suas evocações tao nitidas embalando nossos corações, são jóias preciosas em momentos tão especiais como os de agora. Parabéns minha querida Eloísa.
Obrigada tia. Você é uma inspiração para mim. Escreva seu texto, garanto que será um primor! Bjs
Lindo texto, Eloisa!
Realmente a festa de São João sempre nos traz lembranças de bons momentos vividos junto aos familiares e amigos.
Parabéns!!
Bjs
Verdade Márcia. Até na nossa URB é animada, com Chico Bala animando a festa. Obrigada querida
Ler seu texto, foi como uma volta ao passado, belas palavras e uma narrativa explícita de nossas vidas, parabéns Eloisa, belo texto.
As quadrilhas na Torre eram organizadas por D. Darcy . Verinha e eu nos divertíamos muito…. beijos
Eloisa, que texto maravilhoso!!!!
Fez a gente viver, junto com vc, a alegria das festas de São João na casa de sua avó Carmelita!!!
Um grande abraço!!!!
E então Claudinha…. Era o mês inteiro de comilança….
Mensagem enviada para meu celular por meu amigo Bertrand Alencar, que transcrevo aqui com sua devida autorização:
“Minha querida camarada Eloísa, gostei muito do seu estimulante texto sobre as festas juninas. Eu, como sertanejo de Exu, apesar de estar no Recife desde os 2 anos de idade, nunca me afastei dessas tradições. As festas juninas são as melhores que conheço no mundo. E digo isso sem o sentimento gostoso do bairrismo recifense. Somente nas festas juninas temos músicas típicas, comidas típicas, bebidas típicas, danças típicas, produção agrícola típica, manifestações culturais diversas e até fogos, mas das bombas eu não gosto. Todos os anos dirijo-me ao interior no São João. Ultimamente temos ido à Campina Grande onde tenho um irmão e dois sobrinhos fazem aniversário nessa época, inclusive um faz no dia 23/6. Mas, como você bem diz no texto, esse ano será diferente. Mas para o ano será melhor. Abraço”
Muito lindo! Parabéns pela mensagem ao povo do Nordeste e a esta festa tradicional!
Obrigada Virgínia, qualquer ano venha passar conosco o São João!
Mensagem enviada para o meu celular por minha amiga Pompéia, que disse ter comentado aqui mas, acho que não conseguiu…
“[16:49, 27/05/2020] Pompeia: Parabéns!!!!!!🎈🍾
[16:50, 27/05/2020] Pompeia: Vivi cada instante descrito como se estivesse realmente lá”
Mensagem enviada para o meu celular por minha amiga Manuela Simões:
[14:28, 28/05/2020] Manuela: Parabéns,Eloisa! Lindo artigo, que me remeteu ao passado, pois nossas histórias são semelhantes, família tradicional, vivi tudo isso. A feitura das comidas típicas era uma verdadeiro ritual. A fogueira na frente de casa. Saudades!
[14:30, 28/05/2020] Manuela: Só tem uma coisa, eu morria de medo dos fogos. Não fosse isso, tudo seria perfeito.
Mensagem enviada para meu celular por meu vizinho e amigo André:
“Já que por causa de Bolsonazi e bolsonazistas não teremos festejos juninos neste ano, resta o artigo de Eloísa para nos consolar.”
Obrigada André!
Mensagem no Facebook:
Do meu amigo, Mailson Silva Neto
“Aproveita gente que o pagode é quente
É forró pra toda essa gente se espalhar
Êita, coisa boa! Êita, pessoá!
Hoje aqui a páia voa vamo gente aproveitar
O resfunlengo desse fole não é mole
Todo mundo aqui se bole
Com o seu resfunlengar
E o sanfoneiro que não só faz resfunlengo
Quando sai do lengo-lengo bota pra improvisar”
Mensagem no Facebook
Do meu amigo Antonio Roberto:
“Muito Bom! ”
Obrigada Tuca. Bjs
Bonito texto, Eloísa
O São João é uma festa sagrada para o nordestino.
Tudo é bonito e alegre.