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De Flávia Suassuna para a coletânea Cartas a Monteiro Lobato (orelhas)

ORELHAS – COLETÂNEA DE MEMÓRIAS CARTAS A MONTEIRO LOBATO

Nesses tempos simplificadores, falar sobre Monteiro Lobato é difícil e necessário. Para começar, é preciso levantar suas várias faces: foi não só escritor em vários gêneros (trabalhou na literatura infanto-juvenil, no conto, no ensaio e na tradução), mas também ativista, editor e empresário. A polêmica era um traço forte de sua personalidade, não se pode negar: ainda criança, não quis fazer primeira comunhão, recusa que foi apenas o ensaio de sua vida. De forma geral, pode-se dizer que ele não se eximiu de opinar sobre nenhuma das grandes polêmicas de seu tempo, externando opiniões contundentes. A polêmica fica por conta do fato inescapável de que bom conteúdo desagrada alguns. Ponto.

Usando a expressão de Antônio Cândido, Lobato tem uma obra empenhada, como é a de seus contemporâneos Euclides da Cunha e Lima Barreto, companheiros de Pré-modernismo, período localizado entre 1902 e 1922: nela, Lobato criticou Anita Malfatti (o que desencadeou a Semana de Arte Moderna e o Modernismo no Brasil), defendeu ideais nacionalistas, lutou pela nacionalização de nosso petróleo, opinou sobre caminhos para o progresso do país, denunciou a existência de excluídos no interior, chegou a acusar o latifúndio… Ou seja: sua pena estava presente em todas as questões importantes de seu tempo. Por isso desentendeu-se com os modernistas, com dois governos (o de Getúlio Vargas e o de Eurico Gaspar Dutra), com a Igreja Católica e, finalmente, foi acusado de comunista e racista, apesar de ter escrito o conto “Negrinha”. Tudo isso, graças ao que já se chamou ditadura da simplificação.

Vamos aos fatos: Lobato viveu entre o final do século XIX e o começo do XX, tempo em que também se moveram Charles Darwin, Euclides da Cunha, Lima Barreto, Aluísio de Azevedo e Joseph Conrad… e em que o Determinismo obscurecia a forma de pensar tanto da Europa quanto do Brasil. O que se quer dizer é que eles eram homens do seu tempo e pensavam influenciados pelas ideias de seu tempo – não pelas ideias de nosso tempo. Conrad, por exemplo, embora tenha tentado defender os africanos em sua obra “Coração das trevas”, foi acusado de racista justo por eles. É que as ambivalências humanas são uma camisa de varas para a estreiteza do cientificismo do período, e os autores escreveram suas obras e expunham pontos de vista num pântano perigoso: na verdade, só um fio de faca separa a denúncia do preconceito, essa é a questão.

Num outro contexto, depois das ideias de Freud e de tantos outros, precisamos escutar suas ideias, sem desqualificá-las por completo com simplismos, pois a África ainda é um coração cheio de trevas e Jeca Tatu ainda vive no Brasil. Infelizmente.

Flávia Suassuna

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11 respostas

  1. Parabéns Flávia,
    Uma maravilha sua apreciação sobre a obra de Monteiro Lobato e sobre nosso Brasil. Adorei.

  2. Flávia Suassuna resumiu muito bem muito do que se deve saber sobre Monteiro Lobato, inclusive sobre o posicionamento polico-social do escritor , a polêmica questão do racismo que ele deixa transparecer em sua obra. Meus aplausos pela escolha feita pela Cultura Nordestina para que ela comentasse essa coletânea. Parabéns, Flávia Suassuna.

  3. Obrigada, Flávia
    Sempre aprendemos com você.
    A contextualização da sua análise esclarece pontos polêmicos do brasileiro pouco entendido por muitos.
    Falar de Monteiro Lobato sem mencionar Jeca Tatu é cada dia mais impossível. Infelizmente, como afirma no texto, Jeca continua vivo.
    Vive em cada cidadão marginalizado.
    Parabéns pela lucidez do texto. Abraço

  4. Parabéns Flávia!!!
    VoceVocê escreve com alma .
    Sou sua fã.
    Suzana Lopes Cavalcanti.

  5. Um pouco mais de Lobato enriquecendo tão marcante obra. Incrível como Lobato foi se agigantando a cada carta, a cada comentário. Entre história, críticas, lembranças, sentimentos e lembranças, a grandeza do autor. Parabéns, Flávia. Muito bom.

  6. Tão importante quanto os elementos intrínsecos ao próprio corpo do texto, seja de que gênero for, as “orelhas” exercem substancial função no livro. Apresentam para o leitor o que será lido; bem como situam a leitura e as intenções da obra. Nesta apresentação de “Cartas a Monteiro Lobato, a Flávia Suassuna concentra, objetivamente, os aspectos históricos, sociais e literários do Autor de “Reinações de Narizinho”. Um convite à leitura, é como se poderia chamar sua apresentação.

  7. Prezada Flávia, a sua contribuição sobre Lobato foi, nesse contexto, fundamental para aprendermos mais um pouco do tanto que o mestre nos ensinou pelo grandioso dom de criar. Histórias se cruzam entre histórias e cruzar com a de Monteiro Lobato pelas linhas nas quais você o conduz é muito gratificante. Obrigada pelos ensinamentos! Luciene Aguiar

  8. Carta incentivadora para ir a busca e conhecer com curiosidade as obras desse grande escritor.
    Parabéns.

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