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O lugar de cada um, na Terra dos papagaios, por Salete Rêgo Barros

mafra 6

Homenagem aos indígenas brasileiros, em 19 de abril de 2021

Aos guardiões das florestas

Quem chega ao litoral da Bahia de Todos os Santos, no século 21, tem como referência o acarajé, o vatapá, o candomblé, a obra do casal Jorge Amado e Zélia Gattai, os compositores e intérpretes da MPB: Gil, Gal, Caetano e Betânia, as 365 igrejas, além do torso de seda, brinco de ouro, pano da Costa, da bata rendada e da saia engomada da baiana cantada nos anos 1939, pela inesquecível Carmen Miranda.

Chega a ser surreal imaginar a chegada de experientes navegadores, que se lançaram ao mar partindo de Lisboa, em 1500, em busca de acordos comerciais com as Índias, e do descobrimento de novas terras para exploração de metais preciosos, pontuados pela disputa acirrada entre Portugal e Espanha. Antes disso, navegadores a serviço da coroa de Castela já teriam avistado terras no Sul da América, sem ter noção de como estaria aquela nova paisagem, mais de 500 anos depois.

As 13 embarcações chegam com mantimentos suficientes para alimentar 1.400 homens durante 18 meses. O encontro com os povos Tupiniquins, que já habitavam o território brasileiro, entre 20 e 40 mil anos atrás, entre outros povos, foi caracterizado pelo estranhamento de ambas as partes – os indígenas ficaram espantados com os animais, especialmente as galinhas, e não gostaram, nem um pouco, da comida oferecida a eles. Enquanto isso, os recém-chegados não compreendiam por que os índios andavam nus e se espantaram com a quantidade de papagaios ali existente, chegando a chamar a nova terra de “Terra dos papagaios”.

Toda essa tentativa de aproximação amigável visava, entre outras coisas, a mão de obra indígena a ser utilizada na extração de metais preciosos, para serem enviados à Corte portuguesa, o que acabou não acontecendo, de início – a extração que se mostrava viável, na ocasião, era a do pau-brasil. Dessa forma foi consolidado o processo de colonização, que teve um caráter semelhante a outras colonizações europeias, como a espanhola, que conquistou e exterminou os povos indígenas, caracterizando o processo de extermínio e submissão – tanto por meio dos conflitos quanto pelas doenças trazidas, como gripe, tuberculose e sífilis, e da tentativa de apagamento de toda uma tradição cultural.

A tradição indígena de produção era sabiamente feita em função das habilidades individuais e necessidades do grupo: uns caçavam, outros pescavam, outros preparavam a terra; outros coletavam vegetais silvestres, obedecendo aos ciclos de atividades de subsistência da Floresta tropical: chuvas, enchentes, estiagem e seca. Já outros produziam ferramentas, armas, utensílios domésticos e religiosos, com o objetivo de atender às necessidades básicas do grupo, respeitando os ciclos da Natureza. Já a tradição dos europeus objetivava a acumulação de riquezas através do extrativismo, sem qualquer preocupação com a preservação da biodiversidade.

Os índios trabalhavam para conseguir alimento, fazer uma maloca, uma rede, uma festa; pintavam o corpo e os utensílios a partir de elementos da natureza, mas não a desenhavam, partiam do elemento natural para torná-lo geométrico; usavam diversos tipos de cocares, braceletes, cintos, brincos. Geralmente não matavam as aves para comer, usavam apenas suas penas coloridas, que guardavam enroladas em esteiras para conservar melhor. Exuberante, a arte plumária é praticamente restrita aos homens. Nas tribos, onde as mulheres usam penas, são discretas, colocadas nos tornozelos e pulsos, geralmente, em cerimônias especiais.

As crenças e superstições tinham um importante papel dentro da cultura indígena. Eles temiam ao mesmo tempo um Deus bom – Tupã – e um espírito maligno, tenebroso, vingativo – Anhangá, ao Sul e Jurupari, ao Norte. Outras etnias adoravam o Sol (Guaraci – mãe dos viventes) e a Lua (Jaci – nossa mãe).

O culto dos mortos era rudimentar. Algumas tribos incineravam seus mortos, outras os devoravam, e a maioria encerrava seus cadáveres na posição fetal, em grandes potes de barro (igaçabas), encontrados suspensos tanto nos tetos de cabanas abandonadas como no interior de sambaquis.

A música era praticada em festas de plantio e colheita, nos ritos da puberdade e nas cerimônias de guerra e religiosas. Os instrumentos musicais utilizados: toró (flauta de taquara), boré (flauta de osso), o mimbi (buzina) e o uaí (tambor de pele e de madeira), eram confeccionados a partir do manuseio dos materiais disponíveis nas matas.

O planejamento e as estratégias do homem branco encontraram forte resistência por parte dos indígenas, que os expulsaram rapidamente. No entanto, ganham força a partir de 1516, quando chegam navios ao novo território para efetivar o povoamento e a exploração. Até 1530, a ocupação portuguesa ainda era bastante tímida – somente no ano de 1531, o monarca português Dom João III enviou Martin Afonso de Souza ao Brasil, nomeando-o capitão-mor da esquadra e das terras coloniais, visando efetivar a exploração mineral e vegetal da região, e a distribuição das sesmarias (lotes de terras).

Muito sangue foi derramado e algumas alianças foram necessárias entre europeus e determinadas tribos indígenas, para que fosse possível a conquista e a colonização de um território que se mostrava tão hostil. As guerras e os conflitos eram práticas recorrentes entre as tribos, por conta da diversidade de culturas disputando territórios. Com a finalidade de acabar com seus inimigos, algumas delas se aliavam aos portugueses, que, dessa forma, conseguiam cooptar os indígenas com mais facilidade.

Sob o olhar benevolente e conivente de alguns historiadores, a questão da imposição da prática Católica é vista como interesse dos jesuítas em promover a catequização dos índios e a participação da Igreja na construção dos valores morais da sociedade colonial – como se os valores dos povos indígenas estivessem equivocados. E, dessa forma, a invasão cultural europeia vai se fortalecendo, inclusive, com a chegada dos padres educadores, que introduziram o ensino da língua portuguesa, abolindo, sob fortes ameaças, o uso das línguas nativas, assim como suas práticas religiosas. A visão que o europeu tinha a respeito dos índios era eurocêntrica. Os portugueses achavam-se superiores aos indígenas e, portanto, deveriam dominá-los e colocá-los ao seu serviço.

A resiliência dos povos indígenas acabou por provocar o extermínio de parte de sua população, assim como mortes naturais causadas por doenças trazidas pelos europeus, para as quais eles, ainda, não haviam adquirido imunidade.

Para dar prosseguimento ao projeto de exploração do território brasileiro foi estabelecido, pelos portugueses, o comércio de negros com o continente africano, prática já recorrente no berço da humanidade. Eles eram mais produtivos do que os indígenas, mais resistentes fisicamente e mais dóceis no trato.

O Brasil é o segundo país com a maior cobertura vegetal do mundo, ficando atrás, apenas, da Rússia. Entretanto, o desmatamento iniciado a partir do processo de colonização está reduzindo de forma drástica a cobertura vegetal no território brasileiro e ocorre, principalmente, para que seja viável a prática da atividade agropecuária e a expansão do aglomerado urbano, especialmente, no litoral. Estima-se que, apenas, 7% da Mata Atlântica original esteja preservada, e 20% do Cerrado.

Que este 19 de abril de 2021 – Dia do indígena brasileiro – seja uma ocasião para refletirmos filosoficamente sobre temas que levaram a cultura indígena de preservação da biodiversidade da Mãe Terra, a ser desprezada em nome da satisfação dos desejos de acumulação de bens de uma sociedade cada vez mais, desigual, onde as oportunidades são pautadas em função de gênero, raça, opção sexual e classe social.

Fontes: www.educacao.uol.com.br | www.brasilescola.uol.com.br

 

Evento realizado em 19 de abril de 2019, no Ponto de Cultura Nordestina

 

Fotografias: Rivaldo Mafra

Indígenas da etnia Fulni-ô (município de Águas Belas-PE)

 

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