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Já fomos longe demais: precisamos voltar pra casa, por Salete Rêgo Barros

3 meninos
O desejo de uma professora da Rede pública estadual (Conceição Rodrigues) de levar seus alunos até o Ponto de Cultura Nordestina do Poço da Panela foi viabilizado pela coordenadora do núcleo de Filosofia da Rede de Associados Letras & Artes – LETRART (Ivanilde Morais de Gusmão). Preparamos uma recepção com distribuição de livros, brindes, lanche e depoimentos. A aula magna sobre História da arte e literatura ficou a cargo da professora Flávia Suassuna, que entusiasmou os presentes. O registro do evento foi feito através de fotos e vídeos e, no ano seguinte, aquela tarde seria ampliada transformando-se num projeto mais abrangente: o projeto Semear, com vários subtítulos: letras e artes, música, artes visuais, artes plásticas, etc.
Nesta semana, marcada pela reunião da Cúpula do clima, onde várias lideranças mundiais reiteram o compromisso assumido em 2015, no Acordo de Paris (tratado mundial de redução do aquecimento global), por 195 países, demos início às gravações das 24 h/a no formato EAD (Educação à distância), de História da arte e literatura, com as professoras Conceição Rodrigues e Flávia Suassuna. As vídeo-aulas serão disponibilizadas para a rede pública estadual de ensino.
A realização do projeto se deve à Emenda parlamentar 000760/2019, proposta pelo deputado estadual Wanderson Florêncio, e aprovada pela Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco – SECULT. Trata-se de uma parceria formalizada entre a Administração pública estadual e a organização da sociedade civil – Rede de Associados Letras & Artes, através de termo de fomento.
Recorro à fábula do Chapeuzinho vermelho e nela encontro um sentido diferente daquele que me motivou, em 2019, a escrever o Semear letras & artes, pensando em proporcionar uma tarde cultural agradável aos alunos da Escola Estadual Monsenhor Manoel Marques, e dar a eles a oportunidade de ampliar seus conhecimentos no mundo das artes. Na época, não existia a Covid-19 e, sequer, imaginávamos a catástrofe que se avizinhava com todos os seus desdobramentos, hoje avaliados pela comunidade científica como sindemia, ou seja, uma catástrofe provocada por fatores socioambientais que levam ao desequilíbrio dos biomas, produzindo a proliferação de vírus e bactérias, antes restritos aos animais silvestres em seu habitat. O comércio desses animais acabou contaminando os humanos dos aglomerados urbanos e cidades do interior, no mundo inteiro, espalhando-se por comunidades rurais, assentamentos indígenas e quilombolas, entre outros, aqui no Brasil.
Após tantos desafios surgidos em pouco mais de um ano, fica evidenciada a urgência de se pensar um modelo diferente do que está posto há exatos 521 anos. Quando os europeus aqui chegaram, o território já era ocupado pelos povos indígenas, há milhares de anos (entre 20 e 40, segundo historiadores) – os guardiões das florestas e cuidadores de Gaia, a nossa Mãe-terra. As novas terras foram loteadas, para que os donatários delas se apossassem, “legalmente”, e dessem início ao desmatamento e à construção de vilarejos, ao plantio, à criação e extração, inicialmente de pau-brasil, no litoral, partindo depois para a mineração no interior, o que viria a enriquecer cada vez mais a coroa portuguesa, detentora dos dividendos da riqueza produzida em solo brasileiro.
Somem-se a esses fatos as tentativas de apagamento da cultura indígena e a exterminação de diversas etnias, causada pelos combates de resistência à invasão, e à contaminação de doenças desconhecidas, para as quais eles não tinham imunidade. Não adaptados às necessidades dos colonizadores, a mão de obra indígena, escravizada, foi sendo, gradativamente, substituída pela dos escravos negros comprados no mercado africano, por serem mais resistentes e dóceis no trato.
O desequilíbrio do ecossistema se deve ao modelo de exploração dos recursos naturais, adotado no mundo inteiro. E aqui no Brasil não foi diferente, ao ser implantado pela colonização europeia o mesmo modelo em vigor até hoje, entre avanços e retrocessos. Só que, neste momento, não se trata mais de estudar teorias mirabolantes para justificar vantagens de determinados tipos de sistemas governamentais ou de projetos ideológicos. Agora, a questão ficou esclarecida diante de fatos inquestionáveis: este modelo não presta, não se mostra viável, aliás, nunca foi. É falho em sua concepção. É preciso que sejam retiradas as tramelas de portas e janelas, para que se deixe entrar a ciência do cuidado, praticada pelos povos indígenas com toda a sua sabedoria ancestral. É preciso não temer a distribuição equilibrada da riqueza da nação; é preciso eliminar a concentração de renda, de poder ou de bens; é preciso escutar os ambientalistas, as lideranças indígenas e a comunidade científica; é preciso que a tecnologia seja uma aliada da ciência do cuidado, e não uma concorrente.
Precisamos voltar pra casa, já fomos longe demais.
Chapeuzinho vermelho: a desobediência
Há muitas maneiras de se interpretar uma fábula, e aqui está mais uma entre tantas outras feitas por psicólogos, antropólogos, psicanalistas, etc.
A fábula
A mãe pede que a filha vá à casa da avó levando uma cesta com maçãs. Recomenda que ela não demore muito e siga sempre pelo caminho indicado – nada de atalhos, porque neles pode estar escondido o lobo-mau. Tentada a chegar mais depressa ao seu destino, a menina desobedece e, ao ser surpreendida pelo lobo, inadvertidamente, revela aonde vai. Satisfeito, ele corre à frente dela e, ao chegar à casa da velhinha, chama-a imitando a voz de Chapeuzinho. Já adoentada e com a vista embaçada, confiante, a avó abre a porta e deixa entrar o lobo, que a engole inteirinha. Empanturrado, ele deita na cama vestindo as roupas da avó, enquanto espera a menina chegar – feliz, ela vem cantarolando pelo caminho, sem se dar conta do que está por acontecer. Ao entrar e descobrir que foi enganada, a menina grita desesperadamente temendo ser, também, engolida. Um lenhador escuta os gritos e corre para salvá-la e à sua avó, que ainda vive na barriga do lobo-mau. Assustada, a menina volta pra casa chorando. Muito arrependida, pede desculpas à mãe e promete sempre obedecer aos conselhos dela.
Os personagens
– O lobo mau (o modelo capitalista)
– A menina (a espécie humana)
– A mãe (a biodiversidade)
– A avó (Gaia, a mãe-Terra)
– O lenhador (os pensadores)
A lição
O modelo capitalista se assemelha ao lobo-mau que, disfarçado de bom moço, sai em busca de presas fáceis para saciar sua fome de devorar tudo, até se empanturrar.
A mãe (a biodiversidade do planeta), sabiamente, aconselha a menina (a espécie humana) a não encurtar caminhos em busca de atalhos desconhecidos – os caminhos fáceis, geralmente, escondem armadilhas perigosas.
A avó (Gaia), já cansada de ser maltratada, é engolida pelo sistema capitalista, exatamente como a Terra está sendo tragada pelos gananciosos que querem viver empanturrados, sem qualquer preocupação com a escassez que, fatalmente, virá.
Os pensadores são aqui simbolizados pelo lenhador, o trabalhador que acende o fogo para aquecer, coser o alimento e iluminar as trevas do obscurantismo e do negacionismo.
Fiat lux!Projeto Semear Letras e Artes
 
Ilustração de capa: Ricardo Cunha Melo

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