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Apresentação de Ana Maria César por Olívia Beltrão Gondim

Destaque artístico-literário de agosto – Ana Maria César

Coordenação geral: Bernadete Bruto

 

 

Anna Maria Ventura de Lyra e César (Ana Maria César), escritora homenageada no programa Destaque Literário, da Cultura Nordestina, no mês de agosto de 2021, prescinde de apresentação. Ela É – presente do verbo ser – na plenitude do existir. Encontro o melhor prólogo sobre seu ser no livro habemus vinus – antimemórias do absurdo, de autoria da homenageada, quando, às págs. 25, explica o substantivo que a identifica e a distingue: Anna. “não é um nome, é um destino, pois anagrama perfeito, transposição das letras levando sempre à mesma leitura, no sentido normal ou no inverso (…) nome ousado, intrépido, moto continuo a se refazer em si mesmo, sem subterfúgios”.

Só existe uma forma de conhecer um escritor, lendo seus trabalhos literários. As linhas revelam a vivência; as entrelinhas, o espírito. Em sua vasta obra (12 livros publicados, além de participações em antologias) descobrimos uma Anna Maria multifacetada, surpreendente. Ela se reinicia e se reinventa, inova, recria o mundo e dá vida as vozes “mortas” que habitam dentro dela. Mais do que uma escritora, é uma historiadora. A curiosidade sobre fatos reais de tempos pretéritos e a necessidade de registrar os testemunhos impulsionam as pesquisas. A literata, no entanto, suplanta a historiógrafa, porque não se limita ao relato oficial dos fatos, abre uma janela através da qual o leitor penetra no passado, toca e é tocado por todos os elementos objeto das suas investigações.

A primeira publicação, em 1981, sob o título Lira e César, Juiz de Caruaru, Anna Maria Ventura de Lyra e César narra a trajetória do pai, retirante da seca de 1915, que galgou o posto máximo da magistratura pernambucana, Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Para tanto, através de pesquisas e inquirições, refez os passos dos pais, Amaro de Lyra e César e Áurea Ventura de Lyra e César. Descobriu o prazer de devassar a história e impôs validade da sua escrita.

A narrativa de Anna, extremamente imagética, é dom ou fruto de esforço árduo? Apenas aptidão nata somada a empenho contínuo seriam capazes de levar a menina Anna Maria ao pódio, na literatura pernambucana. Na infância, não tinha acesso aos livros do pai. Os volumes que tanto aguçavam sua curiosidade recebiam o estigma de perigosos. Tinha 12 anos quando quebrou as regras da casa, invadiu as estantes, trancadas a chave, e abriu o mundo da literatura para si. Contudo, para não atrapalhar os estudos nem desvirtuar as ideias, apenas podia ler os romances aprovados pelo pai, aos domingos. Devorava-os.

Por prezar a justiça, inclinou-se a seguir a carreira jurídica. Obteve grau de Bacharel em Direito, pela Faculdade de Direito do Recife (atual UFPE), em 1964, no entanto, a prática forense não a seduziu.   Motivada pelo coração, formou-se em Letras Neolatinas, pela faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Católica de Pernambuco, no ano de 1963. Entusiasmada com o magistério, lecionou nos colégios Vera Cruz, Porto Carrero e nos cursos Téd e Senac. A paixão pela docência é evidenciada no texto:

“Na sala de aula – minha ágora grega – ante o olhar dos alunos, todos os problemas se diluíam e eu me sentia condutora de um povo na travessia do deserto, onde o saber era alimento distribuído como o fora o maná bíblico. E foram muitos os que voltaram para agradecer. Não tenho, pois, de que me queixar” (Habemus Panem, memórias de uma época, pág. 79).

Simultaneamente ao magistério, exercia função de assessoramento na diretoria e no Conselho Regional do Senac.

No ano do lançamento do primeiro livro, Lira e César, Juiz de Caruaru, 1981, Anna teve acesso a anotações da avó materna.  Nomes sem rostos, fragmentos de vida dos seus antepassados. Sem demora, iniciou as pesquisas, montou o quebra cabeça.  O livro Gênesis, mesclando realidade e ficção, foi publicado em 1984.

Não havia mais volta, estava instalado o hábito de pesquisar sobre personagens e histórias que a fascinavam a fim de elucidar fatos. As publicações se sucederam umas às outras.  Os reconhecimentos, sobretudo, as premiações, eram estímulo. Sobre sua vocação diz:

“Meu ofício é escrever, não tenho outro de pia. Trabalho a palavra como quem ara a terra, como quem cava o poço, para matar a fome e mitigar a sede. Fome e sede de alguma coisa que não sei bem precisar, mas que percebo no silêncio dos dias mansos, na música silenciosa dos ventos”.

A Bala e a Mitra, publicado em 1994, recebeu o prêmio Ensaio Vânia Souto Carvalho, da Academia Pernambucana de Letras, em 1993. Adolescente, morava em Caruaru, onde o pai era juiz, à época do crime do padre Hosana de Siqueira e Silva. Lembranças vagas levaram-na, adulta, a percorrer os mesmos caminhos do inquérito judicial. Revela: “…, inicio as pesquisas. Primeiro passo, conhecer os locais. Tenho verdadeira obsessão pela imagem. Preciso visitar os espaços para recriar mentalmente os acontecimentos, até certo ponto inserindo-me neles.” (Habemus Panem, memórias de uma época, pág. 159).

Pela relevância histórica e sociológica do tema, A Bala e a Mitra, com o subtítulo Novos tempos e verdades antigas, foi republicado em 2007, por ocasião do cinquentenário da tragédia.

Viver não é fácil, sobretudo para as mulheres. Não foi para Lilith (primeira mulher criada por Deus, antecessora de Eva), não é para Anna Maria, nem para as Anas nascidas do seu ventre ou da sua mente. A todas as mulheres do mundo e, em especial, às filhas Ana Paula e Ana Claudia, dedicou seu primeiro romance de ficção, O Tom Azul, publicado em 1998. Nessa obra, a consciência do personagem tem tamanha força que autora, narradora, personagem e leitora, em perfeita simbiose, se confundem e se completam. Quem nunca? “Volto a sala. Sento. Ele entra e diz que vai embora. Há muito se desfez o espanto. Pensamentos e lembranças. Choro apenas. Choro até adormecer” (pág.50).

Competente em todos as gêneros literários, Anna Maria César destaca-se também como poeta, com vasta produção, não obstante dizer: “Na poesia meus caminhos têm sido breves. Vez por outra o estilo se impõe, sem métrica, sem rima, mantendo apenas uma musicalidade interior” (Habemus Panem – memórias de uma época, pág. 229).

Em entrevista concedida à Folha de Pernambuco, por ocasião do lançamento do seu terceiro livro no gênero, “Poemas Arcaicos & Outros Mais”, justifica a inspiração poética, declarando:

“Eu não tenho o costume de escrever poesia, escrevo história e prosa. Mas os versos foram surgindo no dia a dia. Uma vez, passando na rua pensei ‘as veias da cidade fedem’. Foram momentos assim que fui anotando. Quando vi, tinha um livro”,

(https://www.folhape.com.br/cultura/ana-maria-cesar-lanca-novo-livro/25185/, visitado em 28/07/2021, às 18h)

Há muito mais a falar sobre Anna Maria César, expoente da nossa cultura, integrante da Academia Pernambucana de Letras, da Academia Recifense de Letras e da Academia de  Letras e Artes do Nordeste Brasileiro, onde exerceu a presidência por três mandatos; membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores e da União Brasileira de Escritores;  condecorada com a Comenda da Ordem do Mérito Literário Jorge de Albuquerque, em 2015; contemplada com o prêmio de Ensaio Vânia Souto Carvalho, com o livro A Bala e a Mitra,  e com  o prêmio de Ficção Dulce Chacon, com o livro O Tom Azul, ambos concedidos pela Academia Pernambucana de Letras, no entanto, urge finalizar este já alongado texto.

Antes, todavia, faz-se necessário mencionar sua mais recente obra, Três homens chamados João – uma tragédia em 1930, e, em seguida, elencar, em ordem cronológica, os livros publicados.

Foram necessários quatro anos de pesquisa árdua, debruçada sobre documentos e jornais da época, para historiar, sob novo foco, os acontecimentos que serviram de estopim para a deflagração da Revolução de 30.

Recentemente, em palestra proferida em reunião virtual da Academia Recifense de Letras, da qual tomei parte, Anna Maria César, com costumeira simplicidade e peculiar modo de falar, proporcionou à plateia uma viagem no tempo. Ao ler o trecho onde relata a morte de João Pessoa, nos transportou para a agitação da Rua Nova trafegada por bondes. A opinião unânime foi de termos sido testemunhas oculares do crime, estávamos dentro da Confeitaria Glória, na hora dos tiros, tomando café na companhia de Anna Maria.

 

Livros publicados:

 

  1. Lira e César, juiz de Caruaru, publicado pela Cepe, em 1981;
  2. Gênesis, Comunicante, 1984;
  3. A Bala e a Mitra, Bagaço, 1993;
  4. 50 anos do Senac em Pernambuco, Recife Gráfica Editora, 1996;
  5. Versos Voláteis, Recife Gráfica Editora, 1996;
  6. O Tom Azul, Bagaço, 1997;
  7. Habemus Panem – memórias de uma época, Bagaço, 2001;
  8. No limiar do tempo, poesia, Bagaço, 2005;
  9. A Bala e a Mitra – novos tempos e verdades antigas (republicado com subtítulo), 2007;
  10. A Faculdade Sitiada, Cepe, 2009;
  11. Habemus vinum – antimemórias do absurdo, Bagaço, 2010;
  12. Último Porto de Henrique Galvão, Cepe, 2014;
  13. Poemas arcaicos & outros mais, Edições Novo Horizonte, 2017;
  14. Três homens chamados João – uma tragédia em 1930, Cepe, 2020;

 

Finalizando, agradeço a oportunidade de prestar esta homenagem à Anna Maria César, pessoa a quem tenho elevada estima e admiração.

Obrigada, Anna, por sua generosidade, por sua sapiência, e, sobretudo, por ensinar, através do modo de ser e de escrever, que simplicidade é uma virtude.

 

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