Estar no mundo implica em participação, cooperação e integração – tudo e todos interagindo o tempo todo. Essa percepção é fundamental para que a vida aconteça em toda a sua plenitude.
A lista de prioridades das necessidades básicas do ser humano a serem satisfeitas começa pela alimentação, sem a qual nenhum ser vivo poderá sobreviver em qualquer etapa de seu desenvolvimento. Em seguida vem o cuidado, que implica na existência e no bem-estar do outro.
A importância dos itens – alimentação e cuidado – parece óbvia. No entanto, para muitas pessoas, por incrível que possa parecer, não é, até que um deles venha a lhes faltar. Entre as poucas certezas que se pode ter, uma delas é que a falta desses dois itens básicos na vida de qualquer ser humano é insuportável.
Como é óbvio que da existência do outro depende o direito de existir de cada um de nós, seria natural que todos se empenhassem permanentemente para que todos tivessem as mesmas oportunidades e condições de acessar os itens essenciais da lista, pois precisamos uns dos outros para garantir a nossa própria existência, tendo em vista que o que afeta as partes interferem no equilíbrio do todo.
Com o passar do tempo, os humanos foram perdendo a conexão com o todo; as descobertas e as novas possibilidades de expansão territorial desviaram a sua atenção do essencial para a espetacularização do supérfluo. E o que de mais básico existe para a sobrevivência da espécie – alimentação e cuidado – tornou-se invisível para os não-afetados pelas carências provocadas pela insegurança alimentar e falta de oportunidades. O entretenimento se encarregou de obnubilar o óbvio e dispensar as pessoas de enxergá-lo, terceirizando essa tarefa para os que, de alguma forma, são tocados pelo sofrimento alheio.
Uma das maneiras de trazer à tona o óbvio é o seu desnudamento através das linguagens artísticas – a palavra, as imagens, as formas, os gestos, que são atemporais, trazem em si mesmo a verdade absoluta e despertam no(a) observador(a) a contemplação, o alumbramento, a inquietação e também sentimentos de indignação e revolta, essenciais à realização de atitudes proativas, imprescindíveis para que as mudanças aconteçam.
Perguntar para que e para quem escrever é vital para quem encara a escrita como missão e faz da palavra um relicário. Escrever de si para si pode ser terapêutico, mas é um movimento solitário que não dialoga com o outro nem tampouco com o mundo. O ato de escrever para o outro prescinde de sentimentos intensos de humanidade.
A indignação perante as injustiças cometidas contra os desprovidos do cuidado necessário ao seu direito de existir, precisam sair das gavetas e ganhar o mundo. Cuidar do outro é cuidar de si mesmo, visto que cada indivíduo em estado de carência interfere negativamente no desenvolvimento pleno da sociedade.
Segue-se à satisfação da necessidade do alimento, a do cuidado, que inclui a Educação, sem a qual as pessoas ficam impossibilitadas de formar o espírito crítico necessário à sua libertação e emancipação. A escrita tem o potencial de informar, denunciar, esclarecer, gerar conhecimento, ferir interesses, entreter, conscientizar, emancipar. A comunicação escrita permite que nos coloquemos como agentes pacificadores da mudança necessária à construção de um mundo igualitário, onde as oportunidades sejam para todos e não apenas para alguns.
As expressões “desigualdade social” e “oportunidades para todos” são o terror dos grupos que se sentem ameaçados pelo fantasma das perdas e dos impedimentos. Este sentimento é o gatilho acionado contra o imaginário da igualdade em detrimento das benesses. As oportunidades transformaram um nordestino pobre em presidente do Brasil em três mandatos; meninas negras em medalhistas olímpicas na França, e podem transformar uma mulher imigrante negra em presidenta dos Estados Unidos.
É preciso que a Educação emancipatória e libertadora chegue a todos os cantos e recantos, pois só ela é capaz de prestar esclarecimentos suficientes para desmistificar o discurso propagado a favor dos interesses daqueles que querem manter as pessoas no cativeiro de seus delírios de poder e mando.
Formar cidadãos conscientes, capazes de fazer uma leitura de mundo de forma adequada às suas necessidades é tarefa das mais difíceis, que enfrenta o corporativismo dos setores interessados na manutenção do analfabetismo funcional, da fome e da miséria humana, aos quais serão negados todos os indultos.
Para que e para quem escrever, se poucos têm a capacidade de entender o que está escrito? Ser compreendido(a) apenas pelos seus pares é importante, porém não suficiente. Mas a luta continua, a esperança vive e o futuro promete dias melhores.
Salete Rêgo Barros
Produtora cultural