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O escritor, as palavras e os dias – Flávio Brayner

Passou o Dia do Escritor e algumas pessoas me deram “Parabéns pelo meu Dia”! Mas acho que elas se enganaram: sem falsa modéstia, sou apenas um professor que escreve.
Penso que ser escritor não é uma profissão, embora se possa ganhar a vida escrevendo. Quero dizer que não é fazendo um curso técnico de escrita que alguém se torna um escritor: pode até dominar ferramentas narrativas, as estratégias da composição, saber como se monta uma cena ou um cenário, como compor a psicologia de uma personagem, mas adquirir a condição é diferente. Porque ser escritor é um MODO DE VIDA. Não um modo de ganhar a vida, mas de vivê-la: significa acreditar que tudo ao meu redor pode ser transformado em escrita e a página em branco (o “terror” de todo escritor) é apenas o lugar para onde este mundo irá se instalar e adquirir um possível lugar no reino das significações. Ele, o escritor, vê o mundo diferentemente de qualquer suposto olhar objetivo e mesmo além de qualquer subjetividade abstrata e autocentrada. O mundo e seus dias serão obrigados a passar pelas palavras, não qualquer palavra, mas aquela que Flaubert chamava “Le mot juste” (a “palavra exata”). Supor que há uma “palavra exata” que designa algo no Mundo em sua mais absoluta precisão e inteireza é supor que as coisas têm uma alma, uma essência e que ela só pode ser expressa por aquela palavra, a palavra que faz com que aquela coisa seja o que ela é não uma outra coisa!
Northrop Frye (A imaginação educada) achava que a leitura do Antigo Testamento era a primeira tarefa de quem queria escrever e precisava compreender “o que era a Literatura”: ali, nos livros do Pentateuco, estavam todas as histórias que poderiam ser contadas e também o mistério de toda escrita, mistério fundado num mito: o da palavra inaugural, aquela que faz com que o Mundo exista, o FIAT original. É esta palavra matinal, ali na aurora de todas as coisas, que oferece a alma dos entes, daquilo que “existe” e a que eles devem corresponder: “Le mot juste” de Flaubert! O escritor é aquele que procura a PALAVRA no Mundo dos entes, não sabe nunca se vai encontrá-la, aquela palavra que uma vez pronunciada desvela a alma das coisas existentes, e toda sua vida de escritor é passada neste estranho exercício de contar uma história já muitas vezes contada, tentando, novamente, encontrar aquela língua original que ofereceu ao que existe sua razão de ser. Não é obra de uma conversão paulina: é uma busca sem fim. Parabéns a quem se dedica a esta estranha e fundamental tarefa!
Flávio Brayner, repito,
é apenas professor!

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