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Apresentação, por José Luiz Mélo, da obra de Maria de Lourdes Hortas

SERVIÇO DE DIVULGAÇÃO DO AUTOR
CULTURA NORDESTINA LETRAS & ARTES

Aromas da InfânciaFio de LãGiestasA cor da onda por dentroFlauta e GestoRelógio D'águaOutro CorpoPoesia ReunidaRecado de Eva

Quando recebi de nossa Maria de Lourdes Hortas, nossa Lourdinha, o convite para fazer a apresentação de sua obra por ocasião da noite do Destaque Literário do mês de julho da Cultura Nordestina, senti-me em seu lugar, no lugar do homenageado, pelo enorme destaque que me conferiu em falar sobre sua obra, uma das que eu classifico como universal e eterna.

Universal, porque sua linguagem universaliza os sentires, os haveres, os saberes, e quem quer que a leia, vai ser como nascido em São Vicente da Beira, uma milenar freguesia no sopé da Serra da Gardunha, aos 700 metros de altura, no Centro de Portugal, que na época em que Maria de Lourdes deixou para vir para o Brasil, em 1950, tinha cerca de 4000 habitantes, ter como lazer a lavoura, a canseira de todos os dias, a labuta da casa, do jardim florido, os nasceres e morreres de todas as maneiras que são os mesmos, ou quase iguais em todos os lugares, seja inverno ou verão em qualquer quadratura do nosso planeta.

Eterna, a obra de Maria de Lourdes, raríssima de encontrar, daquelas que se incrusta na pedra, e peregrina nos pensamentos, eternamente lembrada na simplicidade de seus versos, que vezes nos dão a impressão de encabulados de tanta beleza, não querem se fazer notar.

A obra de Maria de Lourdes, malgrado a quase duas dezenas de volumes publicados, não é extensa, é intensa, intensíssima, daí a responsabilidade de falar sobre a mesma, em todos os instantes ressoando o seu bronze com igual intensidade.

Não vejo maneira melhor para falar da poesia, que o poema, sem outra singularidade que o verso, transmiti-lo, fazê-lo audível, como uma coceira que se acaricia, mesmo que quem o declame claudique, o verso será invencível, ficará sempre na penumbra daquele ouvido.

A obra de Maria de Lourdes é pródiga, doze livros de poesia, dos quais de alguns citarei algumas particularidades, declamarei alguns poemas, lerei trechos da fertilíssima seara de opiniões críticas que acompanham os seus livros.
O primeiro livro de Maria de Lourdes, “AROMAS DA INFÂNCIA” das EDIÇÕES PANORAMA – Lisboa foi publicado em 1965.

Vê-se, no ano de sua publicação, 1965, já passados 15 anos de quando deixou Portugal e veio para o Brasil, bem como, o ano inaugural da Geração 65 que se constituiu em um marco na nossa história literária, da qual Maria de Lourdes participou ativamente, vindo inclusive publicar várias de suas obras pelas Edições Piratas, o símbolo editorial dos poetas da época.

Ao comentar cada um dos seus livros, farei inicialmente a leitura de trecho dos prefácios de cada um, para que se tenha uma ideia da crítica à sua obra, e a seguir a de poemas do mesmo.

Transcrevo, com relação ao livro Aromas da Infância, trecho de artigo publicado no JC cultural no ano 2000 de autoria da Professora Zuleide Duarte, cuja tese de doutorado foi denominada “A impossível ubiquidade: uma representação melancólica da diáspora portuguesa: A ficção de Maria de Lourdes Hortas.

“Já nesse primeiro livro delineia-se a temática que permeia seu discurso poético: a aldeia na distante península ibérica e o Recife, pátria adotiva: o sonho da impossível ubiqüidade: estar aqui e na aldeia ao mesmo tempo. Sonho alimentado de duas vidas simultâneas, vividas pelo registro da realidade e do desejo. Entre as visões da aldeia e o colorido do Recife está o mar, símbolo ambivalente de corte e religação, de dor e esperança.”

POEMAS, FRAGMENTOS

QUATRO TEMPOS
SOBRE HOMEM E TEMPO
I. ESTRADA
Numa pessoa caminham pessoas.
A criança corre.
Passa o jovem.
Anda o homem.
O velho passeia.
Permanece o rastro do que passou por último

II. CASA
Um corpo é uma casa que muda de inquilino

III. TRILHO
Um corpo é, apenas, um trilho:
nele passam vários comboios.
Só de ida.

O livro, “Fio de lã”, publicado em 1979 pelo Gabinete Português de Leitura, portanto quase 15 anos passados da publicação do “Aromas da Infância” foi que tirou a autora do recolhimento em que vivia no Recife e a trouxe a público, tornando sua poesia conhecida e cultuada pelos que viviam um momento de intensa atividade literária em nossa cidade.

Trago aqui, trecho do prefácio do referido livro, escrito pelo Professor José Rodrigues Paiva.

“A poética de Maria de Lourdes Hortas é espontânea e simples e acha-se delineada no primeiro e no último poemas do livro: “Não farei poesia sofisticadamente profunda: / profundo na vida é viver (…) Eis a minha poesia: ressuscitar o que me foi dado / e desdobrá-lo/para novo olhar.” Os temas de Fio de Lã têm uma amplitude universal e abrangem a angústia de solidão, a melancolia do cotidiano, certa ironia crítica, o lirismo transcendental, o social, a natureza e mesmo a hora técnica, com seu fantasma nuclear e a escalada cósmica. Mas sobre a técnica, da poesia de Maria de Lourdes Hortas a natureza ainda predomina: “a flor persiste / no ciclo da antiga noite / e orvalhos lavam a terra / como na madrugada / do gênesis.

POEMA

MEU PREFÁCIO DE POETA SUPERFICIAL

Não farei poesia sofisticadamente profunda:
profundo na vida é viver
e os conceitos são meros contornos de maquilagem.
Não farei poesia:
meu ato será apenas o de olhar
e a poesia far-se-á
narrando
à superfície
acerca
do sol
e da água
e do riso
e da lágrima.

O terceiro livro de Maria de Lourdes, denominado de “GIESTAS”, vocábulo que o Aurélio define como um substantivo feminino e nome comum de vários arbustos, floríferos, que têm propriedades medicinais, inaugura o 1º. Volume entre vários publicados pela “Pirata Edições”, em 1980, tendo sido prefaciado pelo poeta Jaci Bezerras, de quem transcrevo este significativo trecho:

“Pessoalmente, não tenho dúvidas de que estou diante de uma poesia tocada pela encantação. Maria de Lourdes Hortas transfigura o amor e as lembranças com a delicadeza de que só são capazes as grandes poetisas. Por isso mesmo, tenho certeza de que ela é uma daquelas estrelas que, acudindo aos mágicos chamados, “se foram pelos campos/virando pirilampos”.

POEMA / FRAGMENTO

Somente naquela noite pude compreender
a grandeza da vida menor:
debruçada à janela da cozinha
vi nitidamente e pela primeira vez
como eram lindas as janelas alheias
iluminadas – seu brilho multiplicando
as estrelas e aquecendo a escuridão
da noite gelada.
Havia também o cheiro da sopa
que eu fiz.
Meu coração floria.
Eu estava de avental
e sentia-me profundamente comovida
por estar à tua espera.

O seu próximo Livro, “A cor da onda por dentro”, é uma antologia de textos para as crianças, de 30 autores brasileiros contemporâneos, Maria de Lourdes reúne páginas de literatura infantil destinada aos seus “miúdos”, filhos e sobrinhos, e em mensagem enviada para os mesmos diz que: “a poesia é, acima de tudo, o sentimento da gente gravado para sempre.”

Na obra que se segue, “flauta e gesto”, que veio a ser publicado em 1983, sua prefaciadora, nossa querida Eugênia Menezes, observa em um belíssimo texto a que denomina de
“ESCREVENDO COM O CORAÇÃO” que “os livros iniciais apresentam uma particularidade, na medida em que Maria de Lourdes Hortas confere importância singular ao ato de olhar. Ela observa, vê e relata o cotidiano, em tom saudosista, ao longo da diversidade temática desenvolvida. E o faz tocada por sua delicada sensibilidade, mas as emoções parecem exteriores, à margem de sua pessoa” para em seguida conferir que: “Seu livro Giestas (Edições Pirata, Recife, 1980), representa um marco em seu trabalho. Nele, a autora não se atribui apenas o ofício de narrar poeticamente, mas incorpora ao que escreve o pulsar de sua própria vida, como se ela tivesse de repente aprendido a enxergar com o coração. Este fato confere nova dimensão à sua poesia – como se Maria de Lourdes Hortas passasse de expectadora a protagonista – e, neste livro, Flauta e Gesto, vem reforçada a conotação forte e intimista de seu trabalho mais recente. “E por estar assim/ tão vasta e tão ardente/ mastigo a terra/ e ao toque dos meus dentes/ brotam os rios/ rebentam as sementes

POEMAS, FRAGMENTOS

EM CADA MORTO que morreu, morri.
Em cada voz que se calou, calei.
E tantas vezes já me despedi
de tanto ver morrer tanto morri
que, a morrer, já me habituei.

DENTRO da casa
ouço arfando as águas da noite:
ainda não é hoje
que me lavarão
mancha pequena
sobre o mosaico deste chão.

RELÓGIO D’AGUA, * publicado pelas Edições Pirata em 1983 e reeditado em 2916, tem na segunda edição a seguinte nota explicativa da autora: Em RELÓGIO D’ÁGUA estão reunidos os livros que publiquei de 1965 a 1985. Foi uma espécie de celebração de 20 anos de poesia. No entanto, “Cartas do Deserto”, “Cancioneiro das Chuvas” e “Música dos Cravos” eram pequenos conjuntos de poemas inéditos que incluí na abertura do livro. Nesta reunião da minha poesia, estão aqui apenas os poemas* destes títulos referidos que fazem parte de RELÓGIO D’ÁGUA. Maria de Lourdes Hortas (Recife, maio de 2016.

POEMAS

INTERVALO
Tudo já aconteceu
inclusive este verso.
Agora só me resta
deixar-me ir
na corrente do acaso
até que eu própria
desaconteça.

PRISÃO PERPÉTUA
Então
o masculino Senhor disse:
vai, Eva, e nutre a vida
com o suor dos teus sonhos.
Não te esqueças, mulher
que inventaste o amor
e isso é imperdoável.

CACIMBAS
De nenhuma casa me torno íntima
de várias, mal me sento, desembarco
e nas paredes, ao lhes despir os quadros
ficam as chagas dos cravos que arranco.
Ritual com que desabito
mais um átrio de areia
outra também dessas tantas cacimbas
de luas cheias

“OUTRO CORPO”
Publicado em 1989, sob os auspícios da FUNDARPE, pela CEPE, o novo livro de Maria de Lourdes Horta abre o seu corpo com três artigos de crítica literária, denominados de ANATOMIA DE UMA POETISA: TRÊS OPINIÕES CONVERGENTES, escritos por autores de outros estados do País, o que vem demonstrar a propagação de sua leitura, aquém e além mar.
O primeiro artigo, denominado de “COM UM BRAÇO EM CADA HEMISFÉRIO”, Aricy Curvello, de Niterói, chama à atenção para a pessoa Maria de Lourdes Hortas, a portuguesinha de São Vicente da Beira, que aos dez anos emigrou com a família para o Brasil. Fixaram-se em Pernambuco, na cidade do Recife. Ali concluiria o Curso de Direito, em 1964 e, em 1977, o de Letras. Em 1980, fato capital da sua biografia, ingressou no movimento alternativo das Edições Pirata.” Isto para atestar a importância da Edições Piratas, aqui do Recife, divulgando para o Brasil e para o mundo, as obras de centenas de autores.

O segundo artigos, denominado por Astrid Cabral, “DUALIDADE DAS PÁTRIAS” mostra que “Um dos aspectos fundamentais do livro “Flauta e Gesto” é a frequente sintonia do ser com a natureza, que funciona como presença estrutural e não como circunstancial cenário” e como exemplo recita os versos do poeta:

Sou a minha linguagem
nela venho e nela vem
refletida esta paisagem
que contenho e me contém.

Finalmente, Gastão de Castro Neves, no artigo denominado “MARIA DE LOURDES HORTAS E O RESGATE DO INSTANTE,
ao citar os versos do poeta: “Tudo é provisório nesta vida: Nem a morte é definitiva.” Pergunta: Sabedoria Zen? Diríamos mais: conhecimento da vida (lusitano e nordestino), de quem soube ouvir o canto das pessoas simples, que termina sempre ressoando mais fundo e melhor.

POEMAS

Outro Corpo

Corpo
não o meu ou o teu
porém o nosso:
mistura, encontro, mutação.
ser pleno que se liberta
do eixo isolado de cada um de nós:
outro corpo
fusão.

Inundação

Quando voltas
de par em par arrebentas as comportas
e então a vida
em tua ausência retida
água corrente, se solta.

Doméstica

Quando o amor acaba
fica no fundo da porcelana da alma
um resto amargo
assim como um gole frio
de café numa xícara.
Melhor não tomá-lo:
lavar a porcelana
e pô-la de volta
no armário.

O RECADO DE EVA
Um novo livro, O RECADO DE EVA, publicado pelo Instituto Internacional de Lusofonia, Braga, Portugal, este opus é uma antologia da própria autora, e ninguém melhor do que ela para escrever sobre a sua gênese e nascimento da obra em maio de 2016: NOTA DA AUTORA: O grupo que editava os “Cadernos do Povo”, e que defendia o galego como lingua portuguesa, e a Galicia como pertencente a Portugal, pediu-me para fazer uma coletanea de dicção feminina.
Eu mesma os selecionei em varios dos meus livros, reunindo-os sob o titulo de “Recado de Eva”. Foi publicado em 1990 pelo grupo que transitava entre Pontevedra (Galícia) e Braga (Portugal). A ortografia era a que eles, a epoca, consideravam galaicoportuguesa: portugues de Portugal, sem acentuação.

POEMAS

Na epígrafe, citado

Este pó foram damas, cavalheiros,
rapazes e meninas;
foi riso, foi espírito e suspiro,
vestidos, tranças finas.
Este lugar foram jardins que abelhas
e flores alegraram.
Findo o verão, findava o seu destino…
E como estes, passaram.
Emily Dickinson

Rosa, Rosae

Não haveria a rosa
se entre as rosas
não existisse a rosa
mais antiga:
essa rosa-raiz
rosa-semente
inevitável rosa
sempre ardente
há milénios se abrindo
e se esfolhando
entre a rosa da aurora
e a do poente.

XXXXXXXXXXXXXXXXX

Em “DUPLO OLHAR”, coletânea de 13 poetas portugueses publicado pelas Edições Átrio, 1995, em Lisboa, Maria de Lourdes é publicada e entre outros apresento este poema da referida publicação:

NOCTURNO

Pediria ao poeta
que trouxesse o vinho
e depois a doçura do instante antigo
para lembrar que a vida pode ser
o farfalhar de folhas
uma fuga de pássaro
canto longínquo
grito
piscar de estrela
soluço:
esta chuva que escuto
sobre o telhado.

Seu livro, FONTE DOS PÁSSAROS, publicado no Recife em 1999, pela Cia Pacífica, quase como a aclamar o novo milênio que inicia, mais que lembrar o que termina, tem nas palavras de Zuleide Duarte a introdução perfeita para o novo fim que se inicia: “Da sua janela, mirante de pássaros e luz, a poetisa destece, da trama do tempo, o fio da vida e dá expressão a sentimentos impregnados pela luminosidade da paisagem, ressumando terra molhada e seduzindo as ninfas do bosque com o canto nostálgico das lembranças”.

POEMAS

CAPÍTULO

Ainda há pouco, quando a primeira
estrela se acendeu
meu neto, de apenas três anos
muito sério e solene, veio e disse:
Qualquer dia, Vovó, vou ao céu buscar
três estrelas
para pôr na varanda, no lugar das lâmpadas.
Vai ficar tudo bem clarinho e luzente!
Diante do meu encanto
ou espanto
ponderou:
Mas não é hoje não, vovó!
É qualquer dia…

NOTURNO

Não acendas a luz do alpendre:
um pássaro dorme
a lua se derrama nos ladrilhos
e o cão pesadamente sonha.

CANTOCHÃO DE TODAVIA

Este livro, digo que MLH se presenteou, do modo como entre muitas lembranças escolhemos as mais significativas para guardar, e também presenteou sua vila natal, São Vicente da Beira, plantada na região de Beira Baixa no centro/sul de Portugal, devolvendo ao seu povo o que sempre ficou consigo, a lembrança pictórica e fantasmagórica dos seus idos da infância, de uma vida que poderia ter sido mas não foi.
Reproduzo das palavras da autora para esclarecer as intenções deste livro, que fez quase como um legado, uma herança, para seu porvir:
“Este livro é uma espécie de “lira do exílio: nele se reúnem 50 poemas escolhidos por mim nos livros que publiquei até agora. No ano em que completo 40 anos de poesia, ofereço-o, como um ramo de versos, à minha querida São Vicente da Beira, terra onde nasci.”

Aqui e agora, devo confessar. Conheci a poesia de MHL a poucos anos, em uma ou outra publicação esparsa no face que seus amigos gostavam de lembrar. Hoje, o tempo dos suplementos literários domingueiros, dirigidos por César Leal, Audálio Alves, Alberto da Cunha Melo, o registro jornalístico da produção literária resiste ainda nos artigos de Raimundo Carrero, de Luzilá Gonçalves e Diogo Guedes, sem espaço no entanto para a profusão de divulgação do passado. Assim, restou-nos o milagroso espaço da Internet para divulgação dos nossos trabalhos. Os livros impressos, geralmente de edição do autor e tiragem limitada, mal alcançam os admiradores dos autores imaginem então quem nos conhece. Mas, novamente a Internet veio produzir um novo milagre. O de tornar acessível a todos a produção literária dos autores, na publicação dos e-books que se perpetuam sem que o tempo gaste suas folhas nem desgaste as suas letras. Assim, de posse do E-book da obra reunida de Maria de Lourdes, a partir do 1º. Volume, Aromas da Infância até este último, Rumor do Vento que a mesma me presenteou com o brinde do pertencimento de seu livro físico, toda a sua poesia, que eu li com a devoção de quem faz uma oração, li no E-book de sua poesia reunida, publicada e carinhosamente editada pelo nosso amigo Juareiz Correya da Panamerica Livraria, da Panamerica Nordestal. É preciso que os autores lembrem da possibilidade do livro digital, para estender o alcance aos eleitores e perenizar sua obra.

O livro “RUMOR DOS VENTOS”, seu último volume de poemas publicado, recebi de Maria de Lourdes pelos correios. Após vive-lo, mansamente sem pressa ou atropelos, escrevi-lhe uma carta lhe agradecendo e falando sobre o mesmo. Esta carta, que transcrevo agora, porque fala do livro e das emoções que senti ao lê-lo.

Recife, 27/07/2017
Caríssima amiga e poetisa,
Maria de Lourdes Hortas.

Cara amiga.

Belo o seu Livro. Lembro agora Bilac: “ouvir estrelas”. Foi o que senti ao lê-lo. A fulguração que nos arde à vista em cada verso pela beleza que se extravasa, sem que haja bordos que a limite.
Li a 1ª. vez. Foi como um impacto, não um soco, mas uma carícia de mãe na fonte. Cãezinhos correndo se atropelando na praia, um olhar que fita o horizonte.
Depois, o fui sentindo, ele me foi vestindo com suas vestes nupciais, claras, límpidas, sem que precisasse mergulhar para encontrar as suas profundidades, à flor da pele, sem subterrâneos ou náufragos, que sua poesia é clara e límpida como as correntes que fluem na superfície, gorgolejando o canto dos pássaros que se veem flutuando em suas encostas.
Logo adiante, versos na frente, encontro sua Profissão de Fé na poesia: “Não entendo os versos dos poetas literatos…, se escondem entre campos minados cifrando entre si os seus recados. Sou uma simples ceifeira: pelos campos de erva passo a colher flores”.
Querida amiga. Não fosse você a poeta que é, consciente de sua poesia, − da mão mágica que vai descobrindo os seus segredos pelo caminho, até despojá-los completamente para que as pessoas sejam testemunho dos seus novelos interiores, sem mais mistérios, − não teriam os seus poemas o brilho que têm de céu descoberto de onde se sonda o Paraíso.
Sua poesia surpreende, a todo o instante. Você tem um jeito incomum em escrever seus poemas: − Como é que vou dizer? – Um jeito sem pretensão.
O seu verso escorre, mais que isto, desliza, ainda mais, entre os dedos escorrega pelos anéis, assim, de um modo tão real e vestidos de simplicidade que nós conseguimos vê-los, como os “pássaros, a fonte, o sino o roseiral”, como gente, como pessoas fossem: ”Ainda ontem era meio-dia: estava na escola, me vestia de anjo. Depois embarquei num navio para longe e chorei. Ou, adiante, “espécie de mala… medos, mapas, eclipses… vulcões, retratos em sépia…” Ainda, versos belíssimos, na sua poesia de silêncio ruidoso que apenas alma escuta: “os homens vinham de ônibus para casa com o pacote de pão. E as mulheres coavam o café…”
Caríssima poeta.
Vez apenas que você talvez tenha pensado imergir os seus versos em mistério, para eles uma “Caverna de Vidro” sem que perdessem a luz e a claridade que uma Caverna ilumina.
Chamou-me atenção nos seus poemas, e senti que não foi intencional, sem que fosse preparado o anticlímax para que se fizesse a surpresa, últimos versos, (perdoe-me amiga, fazer a reflexão, − como chave de ouro do soneto), que são a síntese e que você extrapola de si no último instante, dente arrancado, quando o poema existe inteiro, incrível, inteiro desde o começo se realiza do primeiro ao último verso. E lembro estes versos, (permita o exagero, mas foi a palavra que encontrei) estes versos estratosféricos: CONFIDÊNCIA, se insisto e o chamo, se espreguiça e dói. MALA, o que guardo na alma, abro na poesia, nela interrogo a vida, dia após dia. PRELÚDIOS DO SILÊNCIO, dói o olhar e o sorriso do morto, sentinela vigilante em tocaia à janela do porta retrato. DILUVIANA, lá fora, chapinhando descalça anda a poesia. BAUNILHA E CHOCOLATE, de baunilha e chocolate − beijo de namorado. VESTÍGIOS, dos visitantes que antes de nós fizeram a travessia nesta mesma barca de areia. Coisa que me tortura nos meus sonetos, que mudo mil vezes, a pontuação, para fazê-los inteligíveis, do modo que sinto. Notei em você uma economia de pontuação o que, no entanto, não faz falta. Por sentir assim, você não pontua. As palavras dentro do seu verso encontram o lugar certo para o seu chamego. Eu tive notícias que você recentemente publicou um Ebook. Como faço para obtê-lo?
PARABÉNS PELA SUA BELÍSSIMA POESIA.

Seu amigo, José Luiz Mélo

Muita coisa ainda teria que falar sobre a homenageada desta noite. No entanto, prefiro interromper agora e deixar que a curiosidade dos amigos acesse o e-book da mesma, Poesia reunida, de tal modo a conhecer de um modo mais completo sua vida e sua obra.
AINDA TEM UM PS. Nossa poetisa é uma excelente pintora tendo feito a ilustração de alguns dos seus livros.

Conheça a história da Cultura Nordestina

Serviço:
Abertura do destaque literário de julho MARIA DE LOURDES HORTAS
Data: 4 de julho de 2019
Horário: 18 às 21h
Local: Cultura Nordestina
Endereço: Rua Luiz Guimarães, 555, Poço, Recife-PE
Telefone: (81) 3097-3927
Apresentação: José Luiz Mélo
Coordenação: Taciana Valença e Eugênia Menezes
Entrada franca

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