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O mestre é aquele “que sempre ensina, mas o que, de repente, aprende” – Flávia Suassuna

Já é de praxe, quando se fala na atividade do professor, partir da frase sabida de João Guimarães Rosa que afirma não ser o mestre aquele “que sempre ensina, mas o que, de repente, aprende”. Pudera. Todo ano fazemos uma revisão do assunto, o que nos dá uma oportunidade única de não esquecer, somada a outra de rever o assunto, sempre, em perspectivas diferentes. É como, aos quarenta, reler um livro querido da adolescência – ele se torna outro.

Assim, comecei o ano, de novo, tendo que ensinar aos meus alunos o Quinhentismo, o período inicial da cultura do Brasil. Só que, por acaso, o mundo inteiro resolveu discutir o aquecimento global e os dois assuntos terminaram por se encontrar na minha vida e na minha sala de aula. Não me contive quando bateu a vontade de registrar o que, com a ajuda de meus alunos, terminei por aprender.

O Quinhentismo, na verdade, foi um hiato cultural bastante longo, que durou de 1500 até 1601, quando se iniciou o Barroco no Brasil. Durante esse período, havia dois tipos de manifestações literárias aqui – a informativa (comprometida com o objetivo do Expansionismo europeu, ibérico principalmente) e a jesuítica (comprometida com a meta da Contra-reforma católica).

Nenhum desses dois tipos de texto era literário, pois, como se pode constatar, a gratuidade passa bem longe deles: os textos informativos, como o próprio nome diz, informavam Portugal sobre o que havia aqui que podia ser apropriado; os jesuíticos, escritos pelos padres da Companhia de Jesus, também informavam a Igreja Católica das ações aqui empreendidas em favor dos objetivos tridentinos, mas, predominantemente, construíram, no Brasil, uma atmosfera medieval, mais favorável à catequese, sua principal meta. Poemas, peças teatrais ou dicionários foram escritos, não com o intuito de aprender, educar ou divertir os nativos, mas impor a eles um jeito de ser e pensar alheios.

Na pessoa do papa João Paulo II, a própria Igreja já pediu um perdão histórico por ter feito parte desse projeto de desrespeito à diversidade cultural e religiosa dos povos americanos.

Mas tudo isso vem apenas como ponto de partida para pensar a questão ecológica que se instalou aqui através do Processo Colonial. É que, sim, problemas ecológicos são decorrentes de questões políticas, apesar da falta de foco nisso que toda discussão sobre o assunto apresenta.

Do jeito como se discute “ambiente”, parece que todo o problema está em baleias, macacos ou florestas, quando essa “febre” apenas indica uma “infecção” no homem.

O Processo Colonial que vitimou o Brasil também construiu uma questão ecológica: a nossa Mata Atlântica tanto deu pau-brasil (entre 1503 e 1530, as remessas totalizaram 300 toneladas por ano), como, aos poucos, foi “desaparecida” para dar lugar aos engenhos de açúcar os quais, durante os séculos XVII, XVIII e XIX, enriqueceram a Europa. Portugal, por exemplo, vivia do lucro da intermediação do comércio entre o Brasil e os outros países europeus.

À proporção que a Mata Atlântica era “assassinada”, nativos e africanos eram vítimas do primeiro grande genocídio perpetrado pelo homem contra o homem: doenças, seqüestros, escravidão, assassinatos, estupros, perseguições, maus tratos… tornam o fim da floresta um horror mencionável, mas menor. Esse homem “infeccionado” está, hoje, seqüelado, ao nosso lado, e sua recuperação é mais urgente do que a da floresta. Ou melhor: a floresta só se recuperará depois que ele obtiver sua cura, que um ambiente são pessoas, não pode ser considerado à parte, isolado do homem e de suas inseparáveis ações sociais, políticas e econômicas.

Nossa floresta, na atual discussão, nem parece ter sido dizimada pelos países ricos: nós é que somos acusados de sermos destruidores de florestas e eles saem de heróis salvadores de baleias jubarte, como se eles mesmos já não tivessem esgotado até as próprias florestas, por exemplo, durante a Revolução Industrial, além da nossa.

Todos só querem discutir o problema como se ele fosse de flora ou de fauna, sem se discutir estilo de vida e consumo.

Quem topa comprar menos? Trocar o carro por transporte coletivo? Tornar o verbo “comprar” um ato de responsabilidade pessoal e social e não de alienação? Os países ricos abrem mão dos recursos naturais que eles concentraram a força? Eles repartiriam a riqueza imensa que acumularam a partir dessa concentração? Deixariam de desperdiçar combustíveis?

Não? Então, continuemos a falar de buraco na camada de ozônio, mico-leão dourado, ararinha azul, em detrimento do homem que, ao lado desses animais, continua “infeccionado”, num mundo que nunca foi tão rico, tão informado e, aparentemente, tão preocupado com o futuro que, salvo engano, será, então, cheio de bichos e florestas, mas sem humanidade.

Flávia Suassuna  é professora de Literatura

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