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Tempo de São João, por Fátima Quintas

Sao-Joao

 

A fogueira se estendia por parte do quintal. Fumaça, pequenas labaredas e a sensação dos festejos juninos se propagavam. Havia ingenuidade nos gestos. Deliciava-me com os pequenos fogos, aqueles que a mãe liberava para a distração da meninada. O irmão, mais treloso, conseguia burlar um pouco a ortodoxia do momento. E não sei como arranjava “pistolas” que produziam barulho e luminosidade. Fechava eu os olhos, abria-os, feliz, feliz. A alegria dominava. Nenhuma reclamação, somente risos e efusividades. Enquanto a fogueira lançava as belas chamas, os três irmãos, Mardônio, Elisa e eu, permanecíamos acordados e vibrantes com a noite de São João. Nenhuma insatisfação pairava no ar, a expectativa de comemorar prevalecia.

E o tempo foi passando. Os entusiasmos diminuindo. Até que meu irmão, líder das anuais inovações, começou a sair para a casa dos amigos, com outras aventuras, e a festa do dia 23 de junho declinou. Tinha eu medo dos fogos, cheguei a queimar gravemente minha mão direita com uma “pistola” que explodiu em sentido contrário. Tio Antônio, irmão da mãe, que morava no Rio de Janeiro, responsabiliza-se pela compra de sacos e mais sacos de malabarismos juninos. No Recife, expandia-se. De repente, deixou de vir, então, o silêncio da noite ganhou a proporção da sua ausência.

E a vida perdeu o sentido da infância. A adolescência exigia outros enlevos. Cada um assumiu difusas liberdades. A fogueira apagou. Os ruídos de uma nova época se faziam crescentes. Manuel Bandeira, com a sua poética admirável, me alerta: “Onde estão os que há pouco/Dançavam/Cantavam/ E riam/ ao pé das fogueiras acesas?” Ah! Como a cronologia interrompe horizontes de outras épocas! Mas a lembrança refaz o que aparentemente existiu em um passado longínquo. As imagens se cravam no íntimo com incrível relevância. O passado se transfigura no tempo de maior perpetuidade. Jamais se finda em nome da perseverança.

Os fenômenos se transformam ao longo dos segundos. Não há outra forma de caminhar. Os passos avançam ou recuam, a traçarem o nosso enredo. Todos temos uma história a contar; ou várias. Aí reside o que há de mais precioso na travessia. Recordar é o verbo que utilizo a qualquer hora, sem receio de verbalizar o valor dos tempos findos. Há em mim perenes evocações. E, a cada dia, crescem à medida que as refaço. Às vezes, converto-as em outras dimensões. Assim me guardo por inteiro, sem fragmentar-me em isolados pedaços, porém, acatando-os em uma mesma individualidade. Abraço o passado na tentativa de presentificá-lo.

Fátima Quintas é da Academia Pernambucana de Letras

Fátima Quintas

fquintas84@terra.com.br

 

 

 

Uma resposta

  1. Cada palavra trouxe de volta ao presente o seu, o meu e o nosso São João.
    Obrigada minha querida, por trazer estas lembranças tão doces.
    🥰🥰🥰😘😘😘😘
    Minha mãe leu e não conteve as lágrimas. Ela disse: “Fátima Quintas escreve divinamente, lembrou minha infância e juventude, parece que eu estava lá presente ”
    Um beijo minha amiga querida

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