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Luto pela nação brasileira, por Salete Rêgo Barros*

Assistimos, estarrecidos, como sujeitos históricos que somos, à degradação do nosso patrimônio cultural, provocada pelo descaso com que a arte, a educação e a cultura vêm sendo tratadas pelos poderes públicos constituídos.

A carta-branca assinada e entregue pelo povo brasileiro aos governantes é desprezada e ignorada frente às necessidades e desejos dos que geram a riqueza da nação.

Os pilares de sustentação da sociedade são atingidos estruturalmente, ao serem destituídos de sua importância na formação e desenvolvimento moral e intelectual de cada cidadão brasileiro.

A cadeia produtiva da arte engloba uma grande diversidade de profissionais ligados à produção musical, às artes cênicas, plásticas, circenses, visuais, à religiosidade, ao desenvolvimento cognitivo, entre outras categorias que movimentam, também, a cadeia produtiva da economia, que vai muito além do pipoqueiro em frente às casas de espetáculo e da rede hoteleira.

Em meio à crise do governo, já instalada há algum tempo, chegam a pandemia do coronavírus e o pandemônio da política. A insistência de três países, entre eles o Brasil, em contrariar as recomendações dos órgãos mundiais de saúde, baseados em pesquisas científicas: o distanciamento social como a única forma eficaz de combater a doença, está levando ao aumento considerável do número de vítimas fatais e ao colapso do sistema de saúde. Os países que seguiram as recomendações já estão saindo da crise e retomando a sua economia gradativamente.

Acrescente-se a isso a humilhação e a sensação de impotência a que a população vulnerável está exposta, diante das frases mais repetidas ultimamente: “mantenha o isolamento, troque a máscara a cada duas horas, use álcool em gel, água e sabão, e fique em casa”. Como ficar em casa e se manter isolado num cubículo onde moram 6, 8 e até mais pessoas, sem abastecimento d’água nem dinheiro pra comprar comida, álcool em gel e sabão?

A maioria dos governos está resolvendo a questão devolvendo, de forma ordenada, boa parte dos impostos retidos nos cofres públicos (pagos pelo povo), que devem servir ao bem-estar social geral, e não às grandes empresas (muitas delas contumazes sonegadoras de impostos) e aos bancos, para que estes não “quebrem” e se habilitem a dar crédito, mediante pagamento de juros exorbitantes (muito superiores aos cobrados dos grandes empresários), aos micro e pequenos empresários que precisam manter em dia alugueis, concessionárias, folha de pagamento, além de minimizar seus prejuízos e continuar trabalhando após a crise.

Que lógica absurda e individualista é essa? As empresas e os bancos não podem “quebrar”, mas o povo que gera a riqueza da nação pode, sim. Os bancos se apossam do dinheiro do povo, devolvido ao povo em forma de empréstimo atrelado à hipoteca de seus bens, acrescido de juros altíssimos, sem alternativas. É isso ou fechar as portas.

Agora estão surgindo vitrines de empresas “caridosas” com o discurso de “cumprir a função social”, doando bilhões (quem fará a fiscalização dessas doações?) extraídos dos cofres públicos, ou seja: do fruto do trabalho do próprio povo. É um verdadeiro “balaio de gatos”.

Ninguém precisa de caridade oportunista. O que o povo precisa é de bem-estar social promovido por uma educação de qualidade e pelo acesso de todos aos bens culturais da nação – instrumentos capazes de formar cidadãos aptos a dispensar “a esmola dada a um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

Em um ano e meio, o antigo e respeitado Ministério da cultura já passou por várias situações vexatórias: foi extinto e substituído por uma Secretaria de cultura, por onde já passaram quatro secretários sem deixar nenhum legado substancial; esteve envolvido em cenas de apologia ao nazismo, à tortura, à volta da ditadura militar e a toda sorte de intolerância e preconceito, ou seja: tudo o que o setor cultural abomina; foi palco de cenas protagonizadas por uma secretária que não enxerga as diferenças entre um gabinete de trabalho de uma servidora pública e um estúdio de gravação de estrelas do cinema; entre ficção e realidade.

E para completar o estrago, durante a pandemia não é apresentado, muito menos executado, um plano de apoio em nível federal aos milhares de trabalhadores do setor cultural, aos diversos pontos de cultura e outros equipamentos espalhados pelo Brasil, que fazem parte da cadeia produtiva da economia.

Quais as alternativas para mudar este cenário individualista e excludente? Uma é a que estou fazendo aqui: denunciar, esclarecer, provocar; outra é compreender que arte é vida, tentando imaginar um mundo sem literatura, sem poesia, sem música, sem cinema, sem humor, sem artesanato, sem teatro, sem contação de histórias, sem as artes visuais, sem o circo, sem tudo o que possa despertar em nós: bons sentimentos e grandes emoções; que possa fazer com que nos coloquemos no lugar do outro; que possa nos fazer enxergar a beleza da vida; que nos estimule a amar e cuidar da Natureza e do nosso semelhante; a despertar a nossa religiosidade.

Vamos sugerindo outras alternativas nos comentários desta postagem?

*Produtora cultural

https://www.culturanordestina.com.br

 

 

 

 

 

 

9 respostas

  1. Que texto maravilhoso e inquietante. Cabe a nós influenciar nosso meio com atos simples, como ler e conversar sobre a leitura com os familiares. Propor atividades conjuntas, mesmo que por poucos minutos. Colocar para tocar uma boa música, interpretar a letra e partilhar as impressões. Mesmo por instantes, as pessoas do nosso convívio prestam atenção no que estamos fazendo. Prestar atenção no gosto dos outros, valorizar tudo que os outros fazem. Incentivar os pequenos a fazer arte, qualquer arte. Vamos fazer nosso trabalho de formiguinha, e vamos vencer a ignorância. Hoje é o dia da Língua Nacional . Viva nosso português. Vamos valorizá-lo cada vez mais, incentivando a fala e escrita correta sem abreviações e estrangeirismos. Gratidão Salete por este espaço de resistência.

  2. Parabéns Salete.
    O seu texto representa toda a nossa indignação com esse governo Que, desde o início despreza a cultura e diz ser ‘cousa de comunista numa total falta de sensibilidade com a arte .
    Seria bom que todos os que não concordam com esse tratamento dado por esse governo irresponsável e insensível, se manifestasse para que Unidos, possamos fazer o nosso grito ecoar e causar efeito .

  3. Salete, poderíamos incentivar e estimular as mães a pedirem para as crianças e jovens escrever sobre este isolamento, ou até mesmo desenhar…. Se o resultado for bom poderia ser publicado no site ou virar um livrinho…..
    Poderíamos dividir por faixa etária!

  4. Pensei também em fazer uma sessão de mamulengo virtual, tem algumas plataformas de videoconferência, poderia ser em um Sábado ou Domingo, vocês são magníficas em contar estórias……

    1. Certamente, Eloisa. Veja que o título do trabalho pode ser interpretado de duas formas totalmmente opostas – luto – substantivo e luto – verbo. Adoro esses trocadilhos kkk

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