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Luciene Freitas, a guerreira pernambucana, por Telma Brilhante

A alma de Luciene Freitas está diluída em tudo que escreve. São momentos registrados de vida e de sonho, permeados de amor e crença na humanidade. Faz incursões pela Literatura produzindo contos e poesias, especialmente poesias. Tem consciência de que o poeta é o mensageiro da canção dos ventos nos desfiladeiros do infinito. Voz que, unida aos sons da terra, evolui e se mescla num voo rumo às estrelas. Sente a magia das palavras acontecendo no silêncio, fruindo a poesia.
Os pensamentos filosóficos que recheiam Mergulho Profundo são hauridos da experiência, de uma visão otimista, poética, não permitindo que a tristeza que às vezes a assalta, faça descolorir o mundo. São temas que dizem respeito ao homem, em suas antíteses e paradoxos, vida, morte, alegria, tristeza. Uma permanente tentativa de compreender a existência e a missão que lhe foi destinada, a missão de ser poeta.
Nele, se desnuda e diz:
Escrever é permitir que o sangue retire do coração o sentimento e passe para o papel a mensagem da alma.

A Dança da Vida, outro livro de sua autoria, um caminho em busca da maturidade. As primeiras decepções, os primeiros desalentos. A eterna luta entre o bem e o mal, anjo x demônio. Transfigura o cotidiano para elaborar esse livro de contos, alguns transformados em parábolas. Como veremos nessa, Pés de Gente.

Semelhantes às formigas gigantescas, correndo de um lado para outro. São pés que carregam corpos, corpos que carregam cérebros, cérebros que levam o mundo, cada mundo com uma história, uma visão diferente da vida, um ideal.

A solidão sempre a acompanhou. Constatamos essa afirmativa nos diversos poemas que escreveu, inclusive o infantil Brincando Só. No entanto, no silêncio cultiva o amor às coisas belas, a solidão criadora, onde as sementes são fecundadas.
Como exemplo, uma estrofe do poema Almas Que Passam, do livro Mil Flores:

No frio do peito minh’alma cansada
Examina sofrida, enxerga profundo
De sentinela ronda, frente à morada
As almas que passam na solidão do mundo

Ou em Explosão,

A solidão mais doída
É aquela sentida
No meio da multidão.

Filha única criada pelos avós que a acolheram com muito carinho, dividiu-se em três espaços geográficos que malharam a personalidade forte da poetisa: Caruaru –cidade que a viu nascer- Brejo da Madre de Deus e Vitória de Santo Antão. Depois, aportou à beira do mar, em Recife, aonde veio dar continuidade ao sonho de ser escritora, concretizando-o entre paisagens de cimento, ferro, verdes e mar.

A poesia está ligada à Luciene feito cordão umbilical. É um grito lapidado no escuro, na dor. Extravasa a alma, nos caminhos de pedra e sol. Busca decifrar a efemeridade das coisas finitas, as respostas que a angustiam. Nos versos, há cuidado com a métrica, a rima acontece naturalmente. Experimentou o soneto e outras modalidades, dentro das normas clássicas. A preferência recai, no entanto, sobre os versos livres, soltos, sem elos que lhe tolhem a liberdade de voar, somente o ritmo que elabora a música, a beleza da cadência, sob a batuta da respiração. A poesia é atemporal e Luciene, com a sensibilidade que a caracteriza, bem sabe perceber um coração pulsante nas mínimas coisas que a rodeiam. A linguagem simples transforma sua escritura numa ponte de comunicação com os leitores que conseguem captar a alma da poetisa e nela se encantam, se identificam. Em Deus, procura apoio e esperança. No livro O Sorriso e o Olhar, a religiosidade se mescla em suas criações poéticas, como vemos nesse texto A Criação.

Naquele momento a vida se fez em diversas formas. Jogadas no infinito, algumas, as mais pesadas, fincaram-se no chão; tornaram-se árvores. Outras mais ousadas, locomoveram-se e assim continuam. As minúsculas, muito leves, flutuaram. Tornaram-se pássaros e colorem o planeta. Saúdam a criação num coro cotidiano, a cada nascer ou morrer do sol.

No entanto, Luciene se desvincula desse eu-poético para trabalhar o momento histórico de Martha de Holanda no livro Uma Guerreira do Tempo. Não totalmente. Entremeia de poesia os fatos históricos, porque sua alma é essencialmente poeta.

Nesse instante, sob a ótica feminina, ela está se identificando com a condição de ser mulher e sentir tudo que Martha sofreu, numa época predominantemente machista, em que imperava o autoritarismo e a hipocrisia. Luciene Freitas, de natureza solidária, transporta-se e se faz baluarte e voz de Martha de Holanda. A ousadia e a obstinação transformam a escritora numa mulher combativa, guerreira. Vale lembrar que as mulheres guerreiras de todos os tempos são motivo de respeito e carinho, pelas portas que ousaram abrir às gerações futuras. Nós hoje estamos usufruindo desse espaço conquistado. Há muitos símbolos recorrentes em seus versos. Flores, mil flores, a primavera, o sol, que significa luminosidade, brancura, vida transparente, sem máscaras nem embustes de um mundo desnudado, como veremos no soneto dedicado a Martha de Holanda, que fecha o livro Uma Guerreira do Tempo.

Eles Dormem ao Sol:

Eles dormem ao sol, sob as flores,
consigo jazem sonhos flutuantes.
Iguais, desencarnados semblantes,
não mais sentem as terríveis dores.

Jornada fatal ali se encerra,
da vida cessam os desenganos.
Esquecidos somente com os anos.
Dormem ao Sol, no seio da Terra.

Acaba a vaidade. Nivelados,
enfim, orgulhos são decepados.
O Sol resseca os dissabores.

O vento silencia seus lamentos.
Não mais resquícios de sofrimentos,
livres dormem. Nada mais tem cores.

LUCIENE FREITAS – Destaque literário de julho, da Cultura Nordestina Letras & Artes
Coordenação: Bernadete Bruto e Eugênia Menezes

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