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Sobre a liberdade de expressão na escrita*

Existe um livro pouco divulgado e compreendido do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, A arte de escrever,[1] no qual afirma, em linhas gerais, que aqueles/as que leem muito não pensam por conta própria. E mais: aqueles/as que escrevem muito também.

Sem querer contradizer o grande e admirado filósofo – e já o compreendendo, pois acredito que ele afirme a necessidade de uma leitura/escrita profundas –, reconheço como imprescindível à verdadeira liberdade de um indivíduo, de um povo, o estudo, a leitura, a expressão através da palavra escrita.

Pois quando se imprime em forma de palavras os sentimentos e reflexões, pode-se visualizar e até mesmo solucionar muitos dos problemas da psique humana – vide A interpretação dos sonhos[2] do pai da psicanálise Sigmund Freud, no qual realiza a primeira autoanálise escrita a partir dos sonhos da história da humanidade.

Mas não confundamos liberdade de expressão com passar por cima dos sentimentos dos outros, como se fôssemos um trator. Ou melhor, não confundamos liberdade com libertinagem, em especial, o descuido com as palavras, gestando um texto pobre e que não nos faça sair de nossa zona de conforto e atuar, a começar por nós mesmos, em uma mudança estrutural de vida.

Palavras, não ligadas às ações, são vazias e se perdem ao vento, como grãos de areia. Palavras plantadas como botões de flor, sementes regadas com intensa leitura, estudo diário dos grandes que vieram antes de nós, com o trabalho contínuo de poda e adubação.

Em novembro de 2005, meu primeiro livro, O major – eterno é o espírito,[3] foi embargado pela minha família paterna por causa de uma frase. A mesma família que me convidou para escrever uma biografia romanceada e comemorar o aniversário de cem anos de meu avô, não concordou com uma frase do livro após a impressão do mesmo, e este não foi lançado. Não trago o acontecimento ao centro do presente artigo com rancor nem mágoa. Passaram-se muitas águas e devo a ele, ao não lançamento do meu primeiro livro, preferir a escrita da poesia e da ficção, mas também da criação teórica. Trago o acontecimento ao centro do artigo para ilustrar o respeito aos sentimentos alheios, ao invés de passar por cima deles como se fosse um trator. Trago para mostrar que muitas vezes a vida, Deus, ou como quiser chamar, nos fecha tantas portas, mas abre inúmeras janelas, janelas largas e luminosas de criação. Se não podemos ir pela esquerda, nem pela direita, buscamos um caminho inusitado, mas coerente com o nosso mais âmago ser, com o nosso desejo de expressar a própria arte.

Porque a liberdade, a verdadeira, pode existir em meio a todas as impossibilidades, bastando apenas que tenhamos a coragem de mergulharmos profundamente em nossa essência e trazermos quem realmente somos à tona. Eu realizo isto através da escrita. E você?

 

[*] Este artigo foi escrito a convite de Salete Rego Barros da Cultura Nordestina para o respectivo blog.

[**] Escritora, vinte e dois livros publicados, entre eles, Rio a quatro mãos (2021), novela policial escrita com Adriano Portela, e As filhas do adeus (2021), contos-crônicas sobre mulheres especiais em sua vida. Mestre em Teoria da Literatura (UFPE), doutora em Escrita Criativa (PUCRS) e ministrante dos Estudos em Escrita Criativa. Contatos: www.patriciatenorio.com.br; patriciatenorio@uol.com.br; www.estudosemescritacriativa.com; grupodeestudos.escritacriativa@gmail.com.

[1] A arte de escrever. Arthur Schopenhauer. Tradução, organização, prefácio e notas: Pedro Süssekind. Porto Alegre: L&PM, 2007.

[2] A interpretação dos sonhos. Sigmund Freud. Tradução do alemão: Renato Zwick. Revisão técnica e prefácio: Tania Rivera. Ensaio biobibliográfico: Paulo Endo e Edson Souza. Porto Alegre, RS: L&PM, 2018.

[3] O major – eterno é o espírito. Patricia Gonçalves Tenório. Recife, PE: Edição da Autora, 2005. Menção Honrosa nos Prêmios Literários Cidade do Recife (2005).

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Patrícia Tenório **

Escritora e doutora em escrita criativa