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Carta de uma senhora no isolamento, por Bernadete Bruto

QUARENTENA CULTURAL – serviço de divulgação da LETRART

Recife, 25 de Março de 2020.

Elba,

Esta carta que você está lendo, foi a única alternativa que me restou aqui deste isolamento. Para chegar até você foi necessário toda uma operação de guerra. Digitei, imprimi e, segurando as costas, fiz um malabarismo para empurrá-la por baixo da porta da entrada do meu apartamento. Depois, interfonei ao porteiro, que encarregou o zelador de apanhá-la, com a seguinte recomendação: “por favor, tire uma foto desta carta e envie para o número do whatsapp que escrevi em letras grandes no final, porque o porteiro não sabe ler”.

Antes do isolamento estava muito assustada, pois faço parte do grupo de risco e no trabalho os dirigentes ainda estavam decidindo quem liberar e como. Assim, tinha que ir ao trabalho e estar exposta a um ambiente onde circula muita gente. Mas, depois que me liberaram para casa, fiquei imaginando nas mil e uma possibilidades do que fazer.

A bem da verdade, comecei o isolamento meio feliz pensando na oportunidade de poder ficar em casa, fazer nada, como fazer um monte de coisas, que há muito me prometia: “quando tiver um tempinho vou fazer isso, vou fazer aquilo, e fui juntando uma lista imensa! E com essa expectativa entrei em casa e comecei a fazer tudo que estava na lista. Aquela pilha de livros na cabeceira  foi minha primeira iniciativa! O problema Elba, é que fui com muita sede ao pote e dei um jeito na lombar, pela má postura,  ao ler muito e de qualquer jeito… Mas o pior estaria por vir…

Tive que ficar deitada para colocar compressas, no entanto, fazia o jogo do contente: “tenho ainda a televisão para assistir e a internet para me distrair”. Acontece, que faz uns dois meses, comecei a gerenciar os pagamentos de minha a irmã mais velha e sabe o que ocorreu? Paguei todas as suas contas e esqueci algumas minhas… advinha quais? Pois é… Esqueci de pagar a conta do celular e do telefone… por esta razão, perdi o contato com o mundo exterior e  faz dois dias estou deitada, me locomovendo mal, isolada sem nenhuma distração!  Minha filha foi fazer uma prova no Ceará e não pode voltar devido ao isolamento. Estou eu e o cachorro. Por favor, me acuda! Minha família é toda velha, resta meu irmão caçula, que é o único que não chegou aos sessenta (só não rio porque dói). Pede para ele comprar um chip da Claro e trazer para mim. Explica para ele colocar o chip por debaixo da porta, não antes de passar um álcool gel nele! E também pede para ele interfonar antes, porque vai distrair o cachorro, assim poderei pegar o chip antes dele. Com o chip eu acessarei meu celular, poderei providenciar os pagamentos através do aplicativo e retorno ao mundo virtual.

Amiga, peço desculpas abusar de sua amizade, mas é que sei que você fará esse obséquio rapidinho. Agradeço antecipadamente. Agora me despeço ficando na minha imensa solidão, sob o olhar perscrutador desse cachorro. Muito pior do que a dor nas costas, do que o coronavirus, é esse encontro com o mais profundo de mim, espero sobreviver!

Desesperadamente,

Bernadete                                               988340747

 

https://www.culturanordestina.com.br

3 respostas

  1. Muita gente acreditou que era de verdade….Kkkk
    Ai tem.poucas verdades e muitas mentirinhas brancas .
    O intuito foi.me distrair nesta quarentena e divertir mais alguém. 🙂

  2. Imaginei toda a cena! Magnifica narrativa! Cheguei a pensar que era verdade, já estava me preparando para ir lhe ajudar. Continue em casa! Um abraço

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