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Carta de Salete Rêgo Barros a Monteiro Lobato, no Dia Nacional do Escritor

COLETÂNEA DE MEMÓRIAS CARTAS A MONTEIRO LOBATO

Recife, 25 de julho de 2019

Querido Lobato

Assim como eu, outras crianças de minha época foram educadas para obedecer a rígidos padrões de comportamento e de crenças herdadas do colonizador europeu, que vinham de encontro ao espírito libertário que se anunciava como expectativa de um novo Brasil, e que caracterizava o início do século passado. Desigualdade, conflitos, pobreza e exclusão social e política se refletiam na obra de escritores pré-modernistas, como foi o seu caso.

Justamente por este motivo é que fui privada do prazer de ler seus livros na infância – minha família achava que você era comunista. Embora a ideia de igualdade baseada no fim das classes tenha sido defendida por filósofos desde a antiguidade, o comunismo não se encaixava nos planos de muitas pessoas, por ser compreendido como ganhos para uma classe em detrimento de outra, causando arrepios em quem não queria perdê-los, apesar de se configurar como ideal de uma sociedade igualitária defendida, também, por Jesus de Nazaré – a solidariedade o levou a enfrentar o desafio de uma vida voltada aos mais pobres e marginalizados de seu tempo, atitude que motivou a perseguição dos que detinham o poder político, econômico e ideológico da época.

Trazendo um estilo de escrita com linguagem simples, onde realidade e fantasia se colocam lado-a-lado, pode-se dizer que você foi o precursor da literatura infantil, no Brasil, e que lançou as bases da indústria editorial nacional dominando o mercado livreiro. Entretanto, sem o apoio governamental, aliado à crise energética, sua editora veio à falência.

Fui ter acesso aos seus livros no início da adolescência – namorava um rapaz que tinha a sua coleção completa. E foi aí que descobri que a sua obra tinha uma finalidade maior, além da de entreter crianças e adultos – era instrumento de luta contra o atraso cultural e a miséria do povo brasileiro.

“Tudo tem origem nos sonhos. Primeiro sonhamos, depois fazemos”, você dizia. Trago comigo, até hoje, este ensinamento. Há quatro anos comemoro, junto com outros sonhadores, o seu aniversário no mês de abril – o Abril de Monteiro Lobato. Realizamos uma grande contação de histórias, onde personagens do Sítio do Pica-pau amarelo são representados por escritores, reunindo avós e netos para assistir ao espetáculo, no quintal da Cultura Nordestina.

Escolhi um dia especial para escrever esta cartinha para você – 25 de julho – data em que é comemorado o Dia Nacional do Escritor, que teve origem na data de realização do I Festival do Escritor Brasileiro, organizado na década de 1960 pela União Brasileira de Escritores, sob a presidência de João Peregrino Júnior e Jorge Amado.

Com um abraço fraterno deixo, aqui, registrada a minha gratidão pelo legado intelectual socializado por você, e as minhas homenagens ao mais importante escritor brasileiro de todos os tempos – José Bento Renato Monteiro Lobato.

Salete Rêgo Barros

Conheça a história da Cultura Nordestina

8 respostas

  1. Linda carta, Salete. Vocês têm razão: primeiro sonhamos ,depois fazemos. Parabéns.

  2. Parabéns Salete Rego Barros!!!
    De sua fé e perseverança já se vê brotar poesia.
    Sucesso!!!!
    Abraço afetuoso de Suzana Cavalcanti.

  3. Gostei muito, Salete
    Seu registro histórico foi perfeito.
    Lobato teve um papel, além dos livros em papel…rsrs, que só percebemos depois.
    No início eram os sonhos de criança, com a maturidade tomamos consciência do quanto foi importante nos aspectos politico, social, cultural. Enfim, um brasileiro que faz falta.
    Parabéns!

  4. Obrigado por reviver lembranças tão aprazíveis. Os personagens de Monteiro Lobato reinaram sem concorrência em meu imaginário infantil. Lembro que cheguei a fazer um Visconde de Sabugosa com sabugo de milho e, ansioso, esperei que ele ganhasse vida.

  5. Salete, sua carta é um tanto chocante. Ter se privado da leitura deste nosso amigo de infância por conta de um falso comunismo, fruto de tantos atrasos, de tantas mentiras em prol de um adestramento social é, me perdoe a palavra, de lascar! Ainda bem que através do seu namorado você conheceu a grande obra do Lobato e hoje, graças a um caminho que o destino ( e você, claro) escolheu, você é grande incentivadora da literatura e das artes, sendo referência no Recife e em Pernambuco por todo o cuidado que tem com nossos autores, nossa língua e nossa cultura. Gratidão é a palavra para pessoas que fazem a diferença, e você, sem dúvidas, é uma delas, através da Novoestilo, da Cultura Nordestina e da Letrart. Imagina se não tivéssemos tido autores assim, que despertaram paixão pela literatura? Parabéns, Salete, pela carta e pela estrada onde vem jogando todas as sementes por uma sociedade mais informada, mais culta e, por isso mesmo, mais esclarecida. Trabalho árduo, mas feito com grande amor. Beijos!

    1. Taciana, a Cultura Nordestina é fruto de um trabalho comunitário de pessoas com objetivos comuns, membros de uma linda família escolhida conscientemente. Juntos somos fortes e ninguém nos detém. Gratidão pelas palavras de incentivo e reconhecimento. Beijos.

  6. Ah, Salete, como este grande pensador, escritor e revolucionário Monteiro Lobato marcou nossas vidas. Tendo lindo seus livros na infância, aprendi a ler neles e ouvindo minha irmã professora contar as façanhas de Emília às crianças.
    Assim, ele foi e é uma grande referência. Aprendi a ama-lo mais ainda quando adquiri seu único romance: Presidente Negro e o Choque de raças!!!
    Não imaginas Salete a alegria que tive quando uma amiga leu minha carta e me trouxe de presente as Fábulas de Monteiro Lobato em capa dura e comprada num sebo!!!
    É alegria e mais alegria voltar a reler a obra de brasileiro que na época dele mostrou em sua Escrita a realidade brasileira e ainda nos faz criar sonhos e acreditar na humanidade através dos seus personagens.
    Parabéns Salete pela realização desse Fantástico projeto: resgatar Monteiro Lobato!!
    Beijos
    Ivanilde

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