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Caminhando com a LETRART rumo à transformação da sociedade, por Salete Rêgo Barros

DIVULGAÇÃO DE ASSOCIADOS – EDUCAÇÃO

Muitas vezes, reflito sobre o que me impulsiona a continuar no caminho escolhido, apesar de lamacento e pedregoso. Aquilo que me acorda todos os dias com uma vontade imensa de chegar, não tem nome nem cor, muito menos forma. Mas tem cheiro. É o cheiro do leite que me leva de volta ao caminho da Escola Típica Rural Fazendinha, no município de Bezerros-PE.

Todas as manhãs, minha mãe saía de casa no lombo de uma jumenta, guiada por meu avô, vestida numa saia enorme e colorida, rumo à Fazendinha. Pelo caminho, ora chuvoso e lamacento, ora pedregoso e calorento, crianças iam se integrando ao comboio carregando cadernos, livros e lápis. Ao chegar à escola, já eram muitos. Numa sala de aula única, alunos separados por fileiras, de primeira a quarta série. Meu avô ajudava como podia, porque, sozinha, ela não daria conta – ensinar, tomar as lições e receber as mães, que ela chamava para conversar sobre traquinagens, deveres de casa sem fazer, etc. Pela manhã, aulas de Linguagem, Matemática, História e Geografia; à tarde, Trabalhos manuais e Religião. Uma vez por mês, o final de semana era de festa – no sábado, exposição dos trabalhos: paninhos bordados, diademas, mobiliário feito com caixas de fósforos, para as meninas; carrinhos de lata, bonecos de madeira, para os meninos. Missa, confissão, primeira comunhão, batizados e, até, casamento coletivo, no domingo. Eu adorava essa movimentação. O tonel de leite em pó exalava um cheiro especial, que ficou para sempre em minha memória afetiva. Meu avô misturava leite com Toddy e colocava num tacho, no fogão de lenha, na hora do lanche. Uma fila se formava com as crianças de caneco na mão para receber a perfumada mistura. Na hora do almoço as mães vinham buscar os filhos e voltavam à tarde, para as aulas de Catecismo e Trabalhos manuais. O encerramento do ano letivo era feito em grande estilo. Prefeito, padre e outras autoridades vinham conferir o trabalho realizado. A Banda de música da cidade tocava na solenidade. Várias vezes ouvi comentários de minha mãe que, para não parar as atividades, usava o próprio salário para comprar material didático, que a Secretaria de Educação, muitas vezes, entregava com atraso.

Passados 60 anos, sei que minha mãe tinha consciência de que estava fazendo. Testemunhei, anos depois, ex-alunos que vinham agradecer e falar da importância que ela teve em suas vidas. Famílias pobres, que viviam da agricultura de subsistência, tiveram a oportunidade de colocar seus filhos numa escolinha rural, onde uma professora primária sacrificava até o seu salário minguado para que não faltasse material para os seus alunos – a obrigação dela era ensinar, apenas, as matérias básicas. Mas ela foi além: dava aulas de artes e religião; promovia casamentos, primeira comunhão e batizados; fazia reuniões com os pais, para orientá-los sobre higiene, como identificar a vocação dos filhos e encaminhá-los corretamente na vida. Além de educadora, era uma produtora cultural que via na arte, educação e cultura o caminho da transformação individual e da sociedade.

Enquanto isso, minha avó ficava na cidade costurando, bordando, cozinhando, e tomando conta de mim. Com retalhos, fazia bonecas e roupas para meninos e meninas durante o ano. No Natal, formava-se uma fila de mães, na porta da nossa casa, para receber os presentes. Na quinta-feira da Semana santa, havia distribuição de esmolas e bacalhau que, na época, custava barato, e meu avô comprava em fardos para distribuir com os pobres.

Aos 7 anos fui estudar no Grupo Escolar Cônego Alexandre Cavalcanti – já lia e escrevia perfeitamente, desde os 5 anos, alfabetizada por minha mãe. Com a saúde debilitada, ela passou a ensinar na cidade, mais perto de casa, e outra professora a substituiu na Escola rural.

O exemplo familiar orientou a minha vida. Considero que o maior bem que pode ser feito a uma pessoa é dar-lhe condições para que siga sua vida com as próprias pernas. Minha avó era adepta das esmolas – a religião a fez assim. Eu não sou. A caridade faz do caridoso um ser superior ao que está recebendo as benesses, e esse sentimento me incomoda. Prefiro dar oportunidades – isso me nivela como ser social que sou, como pequenino grão de areia nesta imensidão, que é o Universo.

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