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O oito do um

 

Impossível esquecer aquela tarde de domingo. Perplexo, o mundo assistia à transmissão ao vivo do espetáculo denominado “A festa da Selma” (corruptela da saudação militar: Selva!), apresentado na praça que representa os pilares da democracia brasileira. Um mar verde e amarelo invadia passeios e rampas de acesso aos prédios, enquanto para os inocentes passavam a fazer sentido os ensaios que antecederam aquele dia – movimentação nas redes sociais, discursos ameaçadores, acampamentos em frente aos quartéis, atentados isolados e o seis do um americano, que serviu de modelo ao oito do um brasileiro. No entanto, apesar das evidências que diariamente cuspiam na cara de todos o adiantado estado de gestação do oito do um, era para muitos improvável que ainda houvesse alguém capaz de arquitetar a volta dos anos de chumbo. Santa ingenuidade!

Tudo leva a crer que aquele dia não acabará enquanto existirem células contaminadas no corpo da sociedade brasileira. Enquanto cada palmo daquele cenário não for esmiuçado, em seus mínimos detalhes, o oito do um estará sendo revivido continuamente. Este é o tratamento adequado para que a doença incurável (aos olhos de muitos) seja debelada. É preciso que todos os responsáveis pelo planejamento, execução e financiamento da tentativa de assassinato da democracia brasileira, em praça pública, sejam identificados, julgados e punidos exemplarmente. Não se trata de vingança, mas de justiça, dizem.

A quebradeira do acervo material e cultural existente nos prédios da Praça dos Três Poderes simboliza a destruição das conquistas sociais garantidas pelo regime democrático construído a duras penas, após mais de vinte anos de vigência do regime militar, período em que a liberdade de ir e vir, e de se expressar como cada um bem quisesse, ficou proibida.

Os obstinados em calar a voz do povo, tirando-lhes o direito de contestar e de se manifestar contra qualquer ação que sequestre o direito à satisfação de suas necessidades básicas e desejos, utilizam-se de meios e subterfúgios capazes de manipular este mesmo povo que, hipnotizado, passa a agir contra os próprios interesses, em favor de interesses alheios, convencidos de que estão agindo da forma correta, dispostos a tudo em nome da pátria, da família, de Deus e da liberdade.

Um olhar mais acurado sobre as cenas do oito do um enxerga um ataque de loucura coletivo como a mais pura expressão da verdade dos famintos em destruir a democracia brasileira, que assistiam ao espetáculo nos camarotes, o mais distante possível da cena, onde os estilhaços não os alcançassem.

Os mentores da tentativa desesperada de tomar o poder do presidente recém-empossado, eleito democraticamente pelo voto popular, em 2022, valeram-se da velha mentira maquiada de fake news (para se tornar mais atraente) para, com ela, conseguir convencer os desavisados de que dariam um fim à corrupção na política, visando à reeleição do então presidente, tida à época como favas contadas. Ironicamente, o feiticeiro foi atingido pelo próprio feitiço. Hoje, enxerga-se claramente onde está plantada a corrupção ofuscada pelo brilho das pedras preciosas, joias, relógios e mansões entre outros bens adquiridos com o dinheiro público, melhor dizendo: com o fruto do meu, do seu, do nosso trabalho.

Apesar da utilização “nunca antes vista na história deste país”, de recursos públicos na compra de votos e na cooptação da PRF para atropelar a votação em regiões tidas como perigosas, entre outros artifícios que incluem a ladainha das urnas eletrônicas fraudadas e o abuso da fé do universo religioso, o resultado das eleições, por não ser o esperado, também não foi reconhecido pelo candidato derrotado, seus aliados e admiradores que, inconformados, colocaram em prática o plano B no dia 8 de janeiro de 2023, de olho na retomada do poder para livrar o país do regime comunista. Santa ignorância!

Há que se perguntar: o que justifica a não-aceitação de um resultado eleitoral legítimo, renovável a cada quatro anos e previsto na Constituição Federal em pleno regime democrático? Há que se responder: o pavor das investigações em curso, que desvelam as verdades bordadas com as lantejoulas baratas da pretensa honestidade.

Porém, o pau que dá em Chico, também dá em Francisco. A ficção e a loucura são a mais pura expressão da verdade, venha de onde vier. E quem tiver o rabo preso, que tente calar os ficcionistas e os loucos, para ver o que acontece.

Fome de quê?

Do fortalecimento da democracia com o objetivo de eliminar o fosso da desigualdade entre os que constroem a riqueza e os que dela, apenas, usufruem.

 


Senhora Xis

Personagem cuja característica é o olhar irreverente sobre as vaidades, a política, o preconceito e a intolerância, ilustrada em 2017, pelo caricaturista Ricardo da Cunha Melo.

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Respostas de 8

  1. Dia D – 8 janeiro de 2023, a barbárie mostrou sua face de violéncia e destruiçáo dos símbolos culturais/humanos tao bem expostos e analizados pela escritora/produtora cultural, Salete Rego Barros que, através da Sra. X mostra com pode, a FIAT LUX , resgatar o caminho para consttuçáo do Novo Tempo!!
    que a LUZ SE FAÇA!!!🌻🤩🌴

  2. Nunca antes vista, na Historia do.Brasil,um ato inconstitucional que abalou o país ,no dia 08/01/2023.Vergonha nacional! Parabéns,à Senhora Xis,pelo relato.

  3. Prezada Senhora Xis
    É importante que saiba de uma coisa: o sete do nove, festejado ontem, demonstrou que o Brasil tem, enfim, governo.
    Digno, consciente da responsabilidade de reconstruir, de saciar as fomes sociais.
    Esperança em tempos melhores!

  4. a meu ver, fugiu do tema da coletânea.
    democracia é, sobretudo, o respeito ao contraditório, ao pensar diferente, assim aprendi.
    mas tudo bem.

  5. a meu ver, as organizadoras não deveriam ter aceitado a participação de quem ficou no anonimato. assumiram a responsabilidade. de minha parte, não simpatizo com quem não se expõe. por outro lado, democracia também o respeito ao contraditório, ao pensar diferente. mas tudo bem.

    1. Os meus seletos amigos e amigas sabem que a Sra Xis é o meu heterônimo. Sou uma eterna admiradora da sátira inteligente, que leva o observador a se dar conta dos absurdos escondidos nos meandros das conveniências. A Sra Xis multiplica os vivas à democracia que hoje damos, após a iminência de concretização do golpe de Estado que, se consumado, sequestraria a liberdade de expressão de escritores, artistas, professores, jornalistas, humoristas e demais vozes que contrariam os interesses da turma mal humorada e odienta do quanto pior, melhor, como já aconteceu num passado recente. A reflexão que o tema da coletânea traz, diz respeito à necessidade de fortalecimento da nossa democracia, ainda imperfeita, tendo como objetivo a eliminação do fosso da desigualdade entre os que constroem a riqueza da nação, e os que dela, apenas, usufruem. Este é o “Xis” de toda a questão envolvida no Oito do um. Vida eterna à democracia que me permite discordar, respeitar e conviver com as diferenças, sem me deixar contaminar, intimidar nem tampouco me submeter a quem quer que seja.

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