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O sexto aniversário dos meus primeiros 15 anos, por José Luiz Mélo

J LUIZ

DIVULGAÇÃO DE ASSOCIADOS

“Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida”.
Álvaro de Campos, in “Poemas”

O que eu posso dizer se não mais sei o que dizer,
porque as palavras perderam-se das lembranças,
vão ficando distantes; os dedos das palavras se arrastando na memória, em suas paredes pedregosas,
não dão adeuses porque ficaram sozinhos,
apenas o mindinho faz uma queixa mínima
para o polegar dizendo:
não lhe vejo mais, apareça de vez em quando,
preciso sentir minha polpa na sua bunda,
latejando suas pupilas,
como dois corações ralando na cozinha a raspa de coco da tapioca,
a lama de coco que adocica duas almas famintas.

É um sentimento estranho
eu me sentir perdido próximo à chegada.
O portão está ali, não está fechado,
não está aberto, não sei ao certo o que desejo:
sair e voltar do jeito que cheguei, encabulado,
dar meia volta, aproveitar os transeuntes muito ocupados
e escafeder-se sem ser notado?

Mas, prende-me aqueles gonzos enferrujados:
um mar, na beira mar e os significados
de sair e chegar, sem sair do lugar,
como se estivesse pregado, sem que esteja pregado.
Voar, com os pigmentos azuis do meu arco-íris amarrotado,
de ponta cabeça,
no mosaico alabastrino daquela casa
que me olha gulosamente de boca aberta, com apetite, como fosse um petisco, um pão adormecido.

As minhas galochas de borracha,
aquele rio que refluiu de sua foz
num dia tímido de outono
errou o seu caminho e pelas bordas ultrapassou o látex,
transbordou no seu interior
como um náufrago vadio
que não sabe onde fica o seu derradeiro, (e verdadeiro),
o definitivo precipício.
A impermeabilidade invicta de minhas galochas,
logo se viu, nunca existiu, foi um ludibrio.

Ainda tem a umidade dos meus sobrados interiores
que eu descasco nervosamente com as pontas de minhas unhas,
pois me acostumei
e para dizer a verdade,
sinto falta disto,
porque suas varandas não se debruçam para os jardins
que ficam lá fora, mas,
para o quintal com o pé de goiabeira de frutas bichadas,
o aceiro onde seu Severino rachava a lenha para a cozinha;
a cacimba, a cacimba como uma alma penada
no remoinho penoso da corda algente se queixando de dor nas cruzes da coluna,
as bananeiras enfileiradas na lapela do muro,
do outro lado a linha férrea,
os latidos do trem da tarde assoviando contente.

Bem, mas chegou alguém,
certamente para me dar parabéns,
um descendente de uma última geração
que ainda não sei, mas conhecerei agora.
Quando se apresentar,
não mais escutarei os pretéritos patronímicos,
os onomásticos conhecidos,
outros nomes vêm ocupar o seu lugar numa ordem inversa de algoritmos.

Porém, para minha surpresa, foi um ancestral,
com seu terno de casimira encorpado
(certamente sentia frio)
todos os patronímicos no seu nome perfilados,
entreaberta a porta entrefechada a cortina, entrou,
(apenas miudezas de silencio no lugar)
e me disse baixinho, ao pé do ouvido:
veja o horizonte, no fim do oceano,
o mar vai de cá, vem de lá,
em sua dança,
nunca se cansa.

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