O Eco das Asas: Silêncios e Ressignificações do Ninho Vazio

Texto por Emanuel Santana Oliveira, 05 de maio de 2025.

 

Há uma quietude que se instala devagar, como quem não quer ser percebida. A casa permanece de pé, os móveis ainda guardam os contornos das rotinas que ali se faziam, mas algo mudou. O tilintar dos talheres diminuiu, boa parte das risadas no fim do dia agora moram na lembrança, e o corredor, antes caminho apressado de passos juvenis, tornou-se um trilho de silêncios, não há pressa. O lar continua sendo lar — mas agora denuncia uma ausência. Uma ausência que ecoa em cada canto, que respira nas cortinas imóveis, que sussurra na mesa posta para menos.

A comensalidade, antes cenário de encontros e vozes cruzadas, agora se resume a silêncios entre goles e garfadas. O que era partilha viva — pratos passados de mão em mão, histórias contadas entre uma garfada e outra — tornou-se memória. As conversas que restam narram ausências: lembranças de um tempo em que cada cadeira era ocupada, em que o riso disputava espaço com o barulho dos pratos. Hoje, o ato de comer não deixa de ser ritual, mas é outro — mais contido, mais íntimo, talvez mais melancólico. A mesa, fiel testemunha do tempo, agora guarda ecos de um passado recente que ainda pulsa no peito.

Ainda há calor, sim — mas é outro. Não o da rotina compartilhada, dos gritos que vinham do quarto ao lado ou dos sapatos jogados na entrada da casa. Agora, o calor é feito das lembranças de um investimento amoroso que moldou trajetórias e preparou asas. Os pais, outrora protagonistas do cuidado cotidiano, veem-se como guardiões de um tempo que passou, mas que retorna — ainda que em ritmos diferentes. Retorna nos finais de semana, nos almoços de domingo, nos feriados em que os filhos voltam com os netos, com novas histórias e novos ruídos. A casa respira novamente nesses intervalos, reacende-se em risos, cheiros e afetos, ainda que depois volte ao seu silêncio, que agora, torna-se habitual. É nessa alternância que muitos redescobrem o sentido do lar – não mais como abrigo constante, mas como porto que acolhe quando a vida permite o retorno.

É nesse intervalo entre o que foi e o que permanece que muitas vezes nasce o que chamamos de síndrome do ninho vazio. Não é apenas sobre a ausência física dos filhos, mas sobre a reorganização interna que essa partida exige. O tempo, antes todo doado, agora sobra – e com ele vêm perguntas que nem sempre encontram respostas. Quem sou eu, agora que eles se foram? Como reocupar um espaço que parecia já definido? Esse vazio que se instala não é só no lar, mas também no corpo, nos afetos, na identidade. A dor não vem do voo dos filhos, mas do eco deixado por suas asas ao partirem.

Nesse hiato, entre o que foi e o que permanece, muitas vezes nasce o que é conhecido como Síndrome do Ninho Vazio. O termo foi criado pelo psiquiatra Kenneth M. Adams nos anos 1970, para descrever o momento em que os filhos deixam a casa da família – geralmente dos pais – para iniciarem um novo ciclo, no qual a configuração da existência familiar pode desencadear sentimentos de perda e vazio diante da ausência dos filhos.

Os estudos de Liu e Guo (2007, 2008), demonstram que os sujeitos que estão vivenciando essa experiência, geralmente apresentam satisfação reduzida com a vida, empobrecimento da relação com os filhos, diminuição e/ou perda do suporte social, diminuição de renda, aumento de doenças crônicas bem como do sentimento de tristeza e quadros depressivos mais intensos se comparados com sujeitos que não estão vivenciando esta fase da vida. Além disso, a saída dos filhos impõe um ritmo de vida diferente, ou diríamos, novo, no qual os pais precisam redefinir suas funções dentro do contexto familiar, o que pode causar um profundo impacto emocional e psíquico, podendo gerar sentimentos de inutilidade, de separação, de questionamentos sobre o próprio papel na vida e na família, dentre outros.

Talvez o vazio deixado pela partida dos filhos não precise ser preenchido, mas compreendido. O ninho que antes abrigava agora acolhe de outro modo — não mais com a intensidade da presença diária, mas com a ternura dos reencontros e com a possibilidade de novos voos, inclusive dos próprios pais. É nesse tempo mais silencioso que podem emergir novos sentidos, desejos adormecidos, caminhos antes adiados. A vida não cessa: ela se reorganiza, se reinventa. E o lar, mesmo com menos ruído, continua sendo morada — de histórias, de afetos e de um amor que nunca parte.

Nesse percurso de reencontro consigo mesmo, a psicoterapia pode ser uma valiosa companheira. Ao oferecer um espaço de escuta e elaboração, ela permite que o sofrimento ligado ao vazio se transforme em possibilidades — possibilidade de ressignificar o passado, de compreender as perdas, de se apropriar no presente e, sobretudo, de cultivar novos projetos de vida. Não se trata de apagar a ausência, mas de aprender a viver com ela, encontrando outros modos de habitar o mundo e de construir laços, inclusive consigo. Afinal, quando o silêncio da casa se alia à escuta de si, o que antes parecia fim pode tornar-se recomeço.

 

REFERÊNCIAS

LIU, Li-Juan; GUO, Qiang. Life satisfaction in a sample of empty-nest elderly: a survey in the rural area of a mountainous county in China. Quality of Life Research, [s. l.], v. 17, n. 6, p. 823–830, 2008.

LIU, Li-Juan; GUO, Qiang. Loneliness and health-related quality of life for the empty nest elderly in the rural area of a mountainous county in China. Quality of Life Research, [s. l.], v. 16, n. 8, p. 1275–1280, 2007.

 

Emanuel Santana Oliveira

Psicólogo Clínico | CRP: 02/23589

 

Emanuel Santana Oliveira é Psicólogo Clínico, Mestre em Gerontologia pela UFPE e Especialista em Psicologia, Saúde do Adulto e do Idoso.

Se dedica a pesquisas no campo do envelhecimento, e constrói sua escuta a partir da ética e do cuidado com a singularidade de cada sujeito.

Atende sujeitos em diferentes tempos da vida — jovens, adultos e pessoas idosas — que se veem às voltas com aquilo que escapa, que retorna, que insiste: angústias, dores que atravessam gerações, silêncios, marcas, perdas e reencontros.

Oferece atendimentos online, presenciais e domiciliares, sustentando um espaço onde a palavra possa surgir e produzir novos modos de existir.

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