Search
Close this search box.
Search
Close this search box.

O andarilho da esperança: condenado por contrariar interesses, por Salete Rêgo Barros

Paulo Freire

Por que comemorar o centenário de nascimento do educador Paulo Freire?

Commemorare – a palavra de origem latina significa trazer à memória. Também significa com-memorare, ou seja: recordar com, recordar junto com o outro.

Aquele que abraça a missão de educar gerações deve sempre ser trazido de volta à nossa memória afetiva. Não por acaso, o nome do recifense que dedicou boa parte de sua vida à Educação é lembrado no mundo inteiro pela singularidade de seu método de alfabetização de adultos – trabalhadores que não tiveram a oportunidade de frequentar a escola.

Sua proposta de ensino tinha como base o vocabulário do cotidiano dos alunos: palavras eram discutidas e colocadas no contexto social do indivíduo: cana, enxada, terra, colheita, etc. e, a partir daí, os agricultores eram levados a pensar a respeito das questões sociais relacionadas ao trabalho. Outros termos iam sendo descobertos enquanto o vocabulário era ampliado.

A sensibilidade de Paulo Freire é desenvolvida frente às dificuldades enfrentadas pela orfandade precoce, que o faz conviver de perto com a pobreza. Aos 13 anos perde o pai, e a mãe se vê em dificuldades para sustentar os quatro filhos. Pede, então, ajuda ao diretor da escola onde Paulo estuda: o professor Aluísio Pessoa de Araújo.

Apesar de os alunos serem, predominantemente, de classe média, não havia distinção de classe social nem de gênero nem de religião, naquela instituição à frente de seu tempo – Colégio Osvaldo Cruz, no Recife, na Rua Dom Bosco, Boa Vista. Os valores cobrados eram reduzidos de acordo com as condições financeiras das famílias, chegando a zero, como foi o caso da bolsa de estudos integral concedida ao filho de Joaquim Temístocles Freire, capitão da Polícia Militar, e de Edeltrudes Neves Freire.

Paulo passa a exercer a função de auxiliar de disciplina e, posteriormente, professor de língua portuguesa, atividade que continua a desenvolver mesmo após a conclusão do bacharelado em Direito, pela UFPE. Lecionava, também, Filosofia da Educação na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Pernambuco.

Ao lado de outros educadores, Paulo Freire funda em 1955, no Recife, o Instituto Capibaribe, escola inovadora que atraiu muitos intelectuais da época, e que continua em atividade até os dias de hoje, como referência no ensino de qualidade.

Um dos títulos a ele atribuído por seus companheiros de trajetória é o de “andarilho da esperança”. Isso se deve às viagens que ele fazia sempre levando a mensagem de uma educação libertadora, transitiva e democrática, com obstinação, para desespero da falsa democracia que defende a retirada de investimentos na educação pública, na pesquisa acadêmica, e o sucateamento das escolas e universidades públicas.

Com o golpe militar de 1964, Paulo foi acusado de agitador, preso por 70 dias, sendo depois exilado no Chile por 5 anos, onde desenvolveu trabalhos em programas de educação de adultos no Instituto Chileno para a Reforma Agrária.

Em 1969, lecionou na Universidade de Harvard. Durante 10 anos, foi consultor especial do Departamento de Educação do Conselho Municipal das Igrejas, em Genebra, na Suíça. Viajou por vários países dando consultoria educacional.

Com a anistia, em 1980, retorna ao Brasil e se estabelece em São Paulo, onde foi professor da UNICAMP, da PUC, e atuou como Secretário de Educação da Prefeitura de São Paulo, na gestão de Luísa Erundina.

Por seu trabalho na área educacional, Paulo Freire foi reconhecido mundialmente. Ele é o brasileiro com mais títulos de Doutor Honoris Causa de diversas universidades. Ao todo são 41 instituições, entre elas, Harvard, Cambridge e Oxford. Possui vários livros publicados, sendo o mais discutido “A pedagogia do oprimido” (1968) – obra traduzida para mais de 30 idiomas e terceira publicação mais citada mundialmente – e, também, a mais criticada, por levantar a questão que analisa a relação colonizador X colonizado, terror dos setores conservadores.

O educador pernambucano revolucionou a pedagogia do País ao refletir sobre a construção de uma escola democrática e uma nova abordagem na relação entre educador X educando, que colocava como base do aprendizado a troca horizontal de saberes e experiências.

Paulo Freire passa a ser reconhecido como Patrono da Educação brasileira através da Lei federal nº 12.612, de 13 de abril de 2012, sancionada pela então presidente Dilma Rousseff. No entanto, tentativas de tirar este reconhecimento vêm tramitando no Congresso Nacional desde que o crítico ferrenho do método de alfabetização desenvolvido pelo educador, o presidente Jair Bolsonaro, chegou ao poder em 2019, posicionando-se contra a sua influência nas escolas públicas brasileiras, sob a alegação de que a metodologia desenvolvida por Paulo Freire arruinou gerações.

O momento das comemorações do centenário de nascimento do educador Paulo Freire, neste 19 de setembro, coincide com a época da maior crise política enfrentada pelo país nos últimos tempos. O fato sugere uma reflexão a respeito da retomada do conservadorismo em todos os setores da sociedade, especialmente, no setor estratégico da Educação, com a tentativa de silenciar professores, tornando-os meros instrumentos de reprodução de conteúdos, de propagação de um conhecimento massificado e desarticulado da realidade social dos alunos.

A quem interessa a destruição do legado de Paulo Freire? A quem interessa a destruição de uma Educação inclusiva, que forma cidadãos capazes de ter um olhar crítico sobre as relações de poder e mando? A quem interessam os cortes de investimentos nas áreas da cultura, da ciência e tecnologia, na do meio-ambiente e na da Educação? A quem interessa o colapso social e intelectual da nação brasileira? A quem interessa a fuga de cérebros, intensificada após o corte das verbas das pesquisas científicas e das bolsas de estudos?

 

Salete Rêgo Barros, da Rede de Associados Letras & Artes – LETRART

Gostou? Compartilhe!

Respostas de 2

  1. Tive o prazer de dirigir uma das livrarias prediletas de Paulo Freire, que foi a Cortez. Na área de educação, tínhamos uma sessão identificada para esse grande
    autor.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *