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Memórias da UBE – 65 anos de história

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Convite

Caros companheiras e companheiros ubeanos

Este ano, 2023, a nossa querida União Brasileira de Escritores está completando 65 anos de sua fundação em Pernambuco. O marco histórico merece ser celebrado por representantes das letras e das artes, comprometidos com os ideais que motivaram a sua criação em 17 de janeiro de 1958.

A proposta lançada é para um recomeço da UBE através da palavra escrita de memórias resgatadas, em verso ou prosa, com o sentimento de quem faz parte dessa história (1958 – 2023).

Para participar, envie o seu relato para culturanordestinaletras@gmail.com para ser postado no blog da Cultura Nordestina.

Relato I
Salete Rêgo Barros*

O recente anúncio do governo federal, do aporte de 3,86 bilhões da Lei Paulo Gustavo, para o setor cultural, indica que o Brasil entra no circuito do livro, da leitura e das manifestações artísticas e culturais, escolhendo o caminho da busca do conhecimento e do desenvolvimento humano. Aos críticos dos investimentos no setor é importante lembrar o alto preço da ignorância, decorrente de séculos de obscurantismo, pago por toda a nossa sociedade.

O Nordeste brasileiro, berço de nomes ilustres como os de Paulo Freire e Manoel Bandeira (PE), Graciliano Ramos (AL), Rachel de Queiroz (CE), Jorge Amado (BA), Ariano Suassuna (PB) e tantos outros, está nas origens da associação que representa os escritores brasileiros, enaltecendo as raízes históricas do país, estimulando a criação literária, defendendo as tradições culturais do estado de Pernambuco.

Abril de 1948

Durante uma exposição do artista plástico e poeta Abelardo da Hora, na Associação dos Empregados do Comércio (Rua da Imperatriz, 67, no Recife), reuniu-se um grupo de intelectuais para fundar duas associações: a ABDE – Associação Brasileira de Escritores, e a AAMPE – Associação de Arte Moderna de Pernambuco, ambas com o objetivo de defender os interesses culturais e profissionais de seus associados. As ideias libertárias daqueles jovens artistas influenciados pelo movimento modernista, que se consolidava em vários cantos do mundo, eram expressas através das artes.

1958

O movimento de criação da União Brasileira de Escritores – UBE, com seccionais autônomas em vários estados, desponta no eixo Rio/São Paulo, a exemplo do que já ocorria em Pernambuco, desde 1948. Associados à ABDE, liderados pelo escritor Paulo Cavalcanti fundam, então, a UBE-PE, que passa a se reunir na sede do Gráfico Amador de Gaston de Holanda, na Rua Amélia, no Espinheiro, no Recife. A substituição da palavra “Associação” por “União” simboliza a ligação entre os elos da corrente que representa todos os escritores brasileiros. O grupo era inicialmente formado por artistas e intelectuais: Carlos Pena Filho, Carlos Moreira, Clóvis Melo, José Gonçalves de Oliveira, Abelardo da Hora e Paulo Cavalcanti, entre outros. Por aclamação, o poeta Carlos Pena Filho foi eleito o primeiro presidente da UBE, tendo declinado do cargo, dias depois, em favor do nome de Paulo Cavalcanti.

A primeira diretoria foi composta por Paulo Cavalcanti, Renato Carneiro Campos, César Leal, Carlos Pena Filho, Lucilo Varejão Filho, Audálio Alves, Olímpio Bonald Neto, Edmir Domingues e Abelardo da Hora, entre outros jovens intelectuais. A solenidade de posse se deu no dia 14 de julho de 1961. A partir daí, a UBE-PE se faz presente na cena cultural, não apenas em Pernambuco, mas no Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Porto Alegre, participando de congressos e encontros literários.

Festival Nacional de Escritores – Delegação da UBE-PE. Rio de Janeiro, julho de 1962. Nilson Navarro, José Condé, José Gonçalves, Olimpio Bonald Neto, Manoel Bandeira, Paulo Cavalcanti, Noemia.

1964-1985

Durante a ditadura militar, período também conhecido como “anos de chumbo”, a UBE era tida como associação perigosa e formadora de opinião. Seu presidente, Paulo Cavalcanti, autor de “O caso eu conto como o caso foi”. Editora CEPE. Recife, 2008, foi preso e processado pela Justiça Militar. Ao ser solto não reassumiu o cargo e advertiu os companheiros: “Se querem que a UBE sobreviva, deixem-na parada”, o que veio a acontecer pelos vinte anos seguintes. A sua ausência era sentida por todos, mas ninguém se dispôs a resgatá-la durante o período da ditadura militar.

1984

Com o retorno à luta pela democracia, o presidente da UBE-RJ conclamou os filiados para uma reunião na sede da OAB-PE, com o intuito de restaurar a seccional Pernambuco, como estava acontecendo em outros estados. Presentes à reunião: Amaro Quintas, Paulo Cavalcanti, Olimpio Bonald Neto, Vanildo Bezerra Cavalcanti, Vital Corrêa, Lucilo Varejão Filho, Tereza Tenório, Juareys Correya, Nagib Jorge Neto, entre outros.

Firmado o compromisso dos escritores com o resgate da UBE-PE, a diretoria provisória ficou estabelecida, e uma comissão foi designada para dar entrada ao processo legal de formalização da entidade, e da arregimentação de antigos e novos associados, que passaram a se reunir na sede da OAB, em seguida na Livro 7, livraria Síntese, Galeria Metropolitana do Recife, auditório da AIP, residência de Paulo Cavalcanti, entre outros locais. Em 10 de janeiro de 1985, a diretoria definitiva foi eleita: Paulo Cavalcanti – presidente; Marcus Accioly – 1º vice; Alberto da Cunha Melo – 2º vice; Jaci Bezerra – 1º secretário; Tereza Tenório – 2º secretário e Vital Correia – tesoureiro.

Final de 1992

Tem início uma nova fase da UBE com a concessão de um terreno, em regime de comodato, para a construção de sua sede própria (Lei 15.740/92 sancionada pelo prefeito da cidade do Recife, Gilberto Marques Paulo), à rua de Santana, 202, Casa Forte, no Recife. Na época, as reuniões eram feitas no Espaço Pasárgada, na Rua da União, enquanto era aguardada a inauguração da nova sede.

Ruínas da casa datada da primeira metade do século XX – Rua de Santana, 202, Casa Forte, Recife-PE

A capinação do mato que recobria o terreno vai revelando as ruínas da casa, datada da primeira década do século XX, que brotavam diante de olhares estupefatos. O escritório de arquitetura Hera Sagitário torna-se responsável pela execução do projeto de restauração. As doações em livros, para a formação da biblioteca (organizada e mantida por Eugênia Menezes), móveis e louças antigas, obras de arte e material de construção doado pelo empresariado local e de outras cidades interioranas, foram fundamentais para a realização do sonho dos escritores pernambucanos. O ceramista Francisco Brennand doou dois painéis em cerâmica para o pátio de entrada, e detalhes do piso da casa. A restauração da nova sede se dá graças à mobilização e trabalho de várias pessoas, entre elas os escritores: Myriam Brindeiro, Maria Pereira de Albuquerque, Olimpio Bonald Neto, Eugênia Menezes, Adiuza Belo, Alberto da Cunha Melo, Selma Ratis, Teresa Tenório, Flávio Chaves e Vital Correia de Araújo.

Quero sempre olhar o futuro deste casarão como quem olha com audácia para o futuro do nosso Brasil”. Com esta frase, o poeta visionário Anélio Souza traduz o sentimento dos que acompanham a materialização do sonho dos escritores pernambucanos.

A Lei 16.631/2000, sancionada pelo então prefeito Roberto Magalhães sacramenta, anos depois, a doação que torna a UBE proprietária do imóvel.

Grupo mobilizado na reconstrução da casa-sede da UBE

25 de julho de 1996

A sede da UBE-PE é solenemente inaugurada, no dia em que também é comemorado o Dia nacional do escritor. A grande festa reúne associados, autoridades e convidados especiais, e recebe a cobertura da mídia local. Representava a entidade, na ocasião, o poeta Flávio Chaves, presidente durante três mandatos seguidos, sendo depois substituído por outro poeta: Vital Correia de Araújo (2003-2008) que, entre tantas iniciativas, criou o programa semanal “Quartas às Quatro”, considerado o mais longevo do país, contribuindo para o congraçamento de poetas e escritores veteranos, e o desenvolvimento dos neófitos.

Impregnada de arte, poesia e conhecimento, a Casa do escritor passa a ter extensa programação em sua sede definitiva – lançamentos de livros, comemorações festivas e eventos culturais abertos ao público, além das reuniões administrativas, quando as decisões mais importantes eram tomadas, e reuniões de instituições congêneres, que também se reuniam na sede da UBE. A instituição passa a ser mais respeitada e considerada, e os novos associados, que não param de chegar, são muito bem-vindos.

Todas as expressões artísticas são acolhidas na UBE, e os associados garantem sua presença em eventos culturais com participação em lançamentos coletivos, palestras e performances em bienais internacionais do livro, festivais de literatura e feiras do livro. Cursos, oficinas e programas literários são oferecidos em parceria com o setor público, fazendo da instituição uma marca do desenvolvimento artístico-cultural de todo o Estado, também, graças ao processo de interiorização da entidade que foi fortalecida durante a gestão “União pelas letras”, do escritor Alexandre Santos (2009-2018). O enfrentamento das mazelas decorrentes dos vários tipos de intolerância, que ainda persistem na sociedade brasileira, também é uma marca inconfundível da referida gestão.

Hino da UBE
Letra e música de Adelmar Tavares de Lyra

União Brasileira de Escritores
Tradição e cultura a preservar
Da vida grande livro aberto
Fonte perene do criar

(Repetir)

Independente chama viva
Da cultura e da liberdade
Ideal literário a defender
Magna casa do escrever
Amplo berço da fraternidade

União Brasileira de Escritores

Potente tribuna libertária
Defensora inconteste do saber
Da arte e da cultura guardiã
Ontem, hoje e amanhã
Tudo faremos pra te enaltecer.

Março de 2020

Após decretada a pandemia da Covid-19, as atividades da UBE são suspensas, e a instituição reconhecida como “O aconchego da cultura pernambucana”, assim como os demais espaços culturais espalhados pelo país, sofre com os impactos econômicos, políticos e sociais provocados pelo isolamento social, acentuados, no Brasil, pela maneira desastrosa com que o país enfrentou a disseminação do vírus.

Ervas daninhas invadiram o Parque de esculturas Abelardo da Hora, inaugurado por ocasião dos festejos comemorativos do Dia Nacional do Escritor, nos jardins da Casa Rosada da Rua Santana, em 25 de julho de 2012, cuidados por Eugênia Menezes. Na ocasião, a UBE recebeu a doação da escultura em concreto intitulada “Mulher deitada”, de autoria do saudoso fundador da associação, que deu origem à UBE, Abelardo da Hora. O vagão de trem, que um dia já foi uma livraria aberta ao público, hoje é abrigo de lagartixas e moradia de cupins; o Pátio onde se reuniam, semanalmente, em torno de 50 participantes para apreciar, sob as frondosas mangueiras, apresentações musicais e performáticas em verso e prosa, e o coro das cigarras no final das tardes das quartas-feiras, durante tantos e tantos anos, agora se encontra vazio. Há boatos de que a casa foi invadida por vândalos que roubaram objetos que poderiam ser transformados em dinheiro. No entanto, oficialmente, os associados veteranos não foram informados do saque ao patrimônio da UBE.

Vagão de trem concedido em comodato pela Rede Ferroviária, para a instalação da Livraria do Escritor
Rua de Santana, 202, Casa Forte, Recife-PE

Tempo: o senhor da razão

A UBE é a fiel guardiã de um legado construído ao longo de 65 anos. A responsabilidade deste retorno tem a medida do legado pertencente aos ubeanos e às ubeanas de todos os tempos, e que não pode ser leiloado como se fosse moeda de troca de interesses particulares.

Este é um pequeno relato da história da UBE, em sua totalidade registrado pela pesquisadora e escritora memorialista Adiuza Belo (UBE-Pernambuco: mais de meio século de história. Recife, 2008. Novoestilo Edições do Autor – edição esgotada). Adiuza vivenciou grande parte dessa história, assim como eu, que lá cheguei em 2003, levada por minha mãe, então presidente da União Brasileira de Trovadores.

Como associada, participei ativamente da gestão “União pelas letras” fazendo parte da diretoria e, por dois anos, fui administradora-geral. Posso dizer que sou testemunha de momentos inesquecíveis na “Casa de Paulo Cavalcanti”. Entre tantos, as quintas temáticas do fantástico na literatura, com produção da coletânea fruto do laboratório que nos rendeu a publicação da “I Coletânea-laboratório de literatura fantástica de Pernambuco” (org. André de Sena e Salete Rêgo Barros. Recife, 2013. Novoestilo Edições do Autor); “Um grito pelo Capibaribe”, com a participação de 71 escritores, em 2011 (atendendo à provocação do associado Tavares de Lima, de saudosa memória), e “Antologia Quartas às Quatro” Vol II, em 2015, com a participação de 45 escritores – todas publicadas pelo selo editorial da Novoestilo Edições do Autor, com organização minha e do escritor Geraldo Ferraz, coordenador do programa. Organizei duas edições do baile “Anos Dourados”, realizadas no Clube Internacional do Recife, em 2011 e 2012, com a finalidade de arrecadar fundos para a entidade; coordenei, por dois anos, os programas mensais da UBE “O fantástico na literatura” e “A arte de narrar”, este último apresentado na livraria Jaqueira; o Ponto de Cultura Nordestina Letras & Artes apoiou, com a confecção de certificados e lanche coletivo, por dois anos, o programa mensal “Filosofando sobre o amor na literatura”, coordenado pela poeta performática Bernadete Bruto, apresentado para grupos de alunos do segundo grau da Rede pública estadual de ensino.

A UBE já passou por várias fases, tendo resistido bravamente a todas elas com a marca inconfundível da resiliência. A fase atual remete à de 1992, quando do meio do matagal brotou a semente das letras e das artes. Mas essa é, sem dúvida, a fase que pode ser movida, também, por indignação, e não apenas por gestos e sentimentos de amor, como na fase de restauração das ruínas descobertas no “antigo Passo do Fidalgo, nas cercanias da Casa Forte de Ana Paes” (Adiuza Belo). A tarefa não é para amadores, tampouco para aventureiros em busca de vitrines de expor egos inflados. A tarefa pertence aos que se dispõem a dar continuidade aos ideais de seus fundadores – a criação de uma associação de artistas e escritores em prol da Cultura, como instrumento de transformação social e desenvolvimento humano, que originou a União Brasileira de Escritores, em 1958.

2023

O resgate da UBE vai além da reconstrução de sua casa-sede, pois também se trata da reconstrução dos elos que unem as diversas expressões artísticas, das questões administrativas e financeiras, da recuperação dos antigos associados e da conquista de novos, seguindo a trilha da reconstrução do país, que teve a sua democracia ameaçada com desrespeito e desprezo pela arte, educação, cultura e ciência, nos últimos anos.

É imprescindível que seja firmado o compromisso dos associados com o futuro da UBE. Que se ponham ao leme dessa instituição, amada e respeitada por todos, aqueles que lutam por um mundo melhor, onde a criação artística e literária protagoniza a comunicação inter-humana que descortina as visões de mundo de cada indivíduo atuante no processo civilizatório do desenvolvimento humano.

 

*Arquiteta, associada à UBE em 2006, editora da Novoestilo Edições do Autor desde 1995 e produtora cultural executiva do Ponto de Cultura Nordestina, desde 2012.

Fotografias: acervo particular da escritora Adiuza Belo, para a edição do livro: UBE: mais de 50 anos de história. Recife, 2008. Novoestilo Edições do Autor

2 respostas

  1. Querida Salete
    Este seu convite merece o acolhimento de todos. A UBE, patrimônio material e imaterial dos pernambucanos, e também de todos os brasileiros, precisa ser restituída às mãos responsáveis dos que pelejam, de fato, pela cultura e pelas artes. Com a nossa união em torno desse proposito, louvo seu gesto e seu convite, e espero que ainda seja possível levar a UBE de novo à normalidade. O trabalho, a honestidade e o dever, que honraram nosso passado, tambem são a base de nosso compromisso com o futuro. – Edson Mendes. 24/05/2023.

    1. Certamente, Edson, a UBE renascerá das cinzas, mais uma vez. E as pessoas deixam as suas marcas na história da instituição, para as futuras gerações.

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