FOME, de quê?
A fome que é saciada com garfo e faca
é diferente da que rasga a carne nos dentes! Karl Marx[1]
Um grande véu encobre o mundo!
O falso brilho das luzes encandeia e turva a vista comprometendo o olhar.
Tudo fica nebuloso, enquanto ruídos ensurdecedores
impedem o pensar e o enxergar a realidade.
Então, os indivíduos inebriados, cegos, manipulados e amedrontados,
não sabem que direção tomar!
Mergulhados em profunda crise,
tropeça-se sobre as coisas que rolam no desgoverno e na contramão.
E com as coisas os homens. E nesse tráfego bárbaro,
os semáforos inverteram as luzes;
não contentes, mudaram as cores.
Motoristas e pedestres se atropelam, mas ninguém para.
Não há como se deter e todos se desesperam por chegar aos destinos.
Mas os rumos foram abolidos.
Os coletivos trafegam sem tabuletas,
os comboios não param, nem partem.
As ruas perderam os nomes e todos esqueceram para onde iam.
Só resta a alternativa de continuar andando.
Sem sentido.[2]
Enquanto isso, o capital – dono do mundo –,
que se apropriou de toda a riqueza,
destitui o homem de sua humanidade, restando o animal homem…,
e, nessa imensa barbárie, a lógica do capital se amplia
e aumenta sua capacidade de destruição ad infinitum.
Nesse quadro a fome grassa o mundo…
Não qualquer uma, mas todas formas de Fome.
Fome no mais profundo significado, principalmente,
de humanidade, na medida em que a riqueza produzida pelo trabalho
é apropriada privadamente dispondo do poder da própria fonte da vida…
Deixando milhões em completa miséria.
Nesse mundo de imensa riqueza,
grande parte da população é jogada na miséria, na fome…
Até quando?
Para compreender esse quadro é preciso verificar
quais os pressupostos da existência humana!
O primeiro é que todo o mundo humano,
toda a sua vida é feita de História
e, na medida em que, partindo da animalidade, da Natureza,
mediado pelo trabalho, o homem produziu
o seu mundo de riqueza material e espiritual que se expressa na Cultura.
Portanto, nesse processo histórico,
os seres humanos devem estar em condições de viver para poder “fazer história”.
Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer,
beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais que humanizam.
Daí que, a primeira ação humana
é a produção dos meios que permitam a satisfação dessas necessidades;
isto é, a produção da própria vida material.
E de fato esta é uma condição fundamental de toda a história
que, ainda hoje, como há milhares de anos,
deve ser cumprido todos os dias e todas as horas,
simplesmente para os manter vivos.
A segunda ação ou elemento a ser considerado é que,
satisfeita esta primeira necessidade,
a ação de satisfazê-la e o instrumento de satisfação já adquirido,
conduzem a novas e mais amplas necessidades.
Esta produção de novas necessidades é o primeiro fato histórico.
A terceira condição, reprodução da espécie.
Esta ação, desde o início, intervém no desenvolvimento histórico
porque os humanos diariamente renovam sua própria vida,
gerando novos seres e assim garantem sua espécie.
Nesse processo, a primeira relação de produção
é entre macho – fêmea (homem – mulher);
entre pais e filhos, gerando a família
que, no início, é a única relação social,
tornando-se depois uma reação secundária,
quando as necessidades ampliadas engendram novas relações sociais,
e o acréscimo de população produz novas necessidades.
O humano, ser social gerado nesse processo,
cada vez mais se desenvolve, ampliando seu mundo,
criando novas e mais amplas e complexas necessidades.
Estes três aspectos da atividade social:
atender necessidades, criar instrumentos
e a relação social, são simplesmente três “momentos”
que coexistem desde os primórdios da história;
desde os primeiros humanos
e, ainda hoje, se fazem valer na história.
É nesse processo que emerge o capital.
Relação social de produção que revoluciona,
porque cria pelo e através do trabalho toda a imensa riqueza – social, material cultural –,
mas que a partir de determinado momento, por exemplo, no atual,
entra em crise porque a produção social é apropriada privadamente
e aquele que produz é desproduzido no ato da produção;
o produto do seu trabalho não lhe pertence, é pelo outro apropriado.
O trabalhador que produziu luxo e riqueza, palácios e castelos,
é jogado na miséria, no desalento, na fome…
Essa imensa população vagueia abandonada e submetida
a todas as formas de Fome!
Desde as condições mínimas de sobrevivência
até de bens materiais, sociais, espirituais;
e mais, lhe é negada a própria humanidade.
O que acontece com o pobre, o miserável
a quem é negado todo benefício produzido socialmente?
Fica destituído da morada humana;
isto é, do mundo de riqueza gerado socialmente!
Neste processo de desenvolvimento econômico e progresso social,
que é negado àqueles que produziram, surge um período de revolução
e as forças produtivas materiais da sociedade
entram em contradição com as relações existentes
gerando, então, uma profunda crise.
Ao lado da riqueza social, uma imensa população miserável e faminta de tudo….
Ocorre que, o que estamos hoje vivenciando
é que das formas de desenvolvimento das forças produtivas,
estas relações transformam-se em seu entrave,
e toda riqueza (material/espiritual) é apropriada
por pequena parcela da população – as “personas” do capital
que fomentam a violência e a miséria
pela guerra, abandono, discriminação e fome;
condições para as transformações.
Contudo, nenhuma organização social desaparece
antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela é capaz de conter;
nunca relações de produção novas e superiores
se lhe substituem antes que
as condições materiais de existência destas relações
se produzam no próprio seio da velha sociedade.
É por isso, então,
que a humanidade só levanta os problemas
que é capaz de resolver
e, assim, numa observação atenta,
descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu
quando as condições materiais para resolvê-lo já existiam
ou estavam, pelo menos, em vias de aparecer.
A questão que se coloca é:
todas as condições materiais já estão dadas,
por que a transformação – Revolução –
para a sociedade verdadeiramente humana não ocorre?
O que vemos é o contrário:
paralela à imensa riqueza socialmente produzida,
gera-se uma miséria profunda, violência, guerra, destruição
e a FOME se espalha no mundo!
Fome de quê?
Afirmamos, sobretudo, Fome de Humanidade
e de tudo o que a envolve para grande parcela da população,
enquanto uma parcela ínfima
alcançou o paraíso, porque se apropria privadamente da riqueza
socialmente produzida
e, para o restante, o retorno à “barbárie”!
O que fazer?
A proposta possível: união de todos que geram a riqueza.
Para tanto, criar, implementar instrumentos de mediação
partindo da Cultura, da educação e do conhecimento
disponíveis para todos, eliminando quaisquer formas desse imenso flagelo denominado FOME!
Ivanilde Morais de Gusmão
Co-organizadora da coletânea Fome de quê?, professora, advogada, ensaísta, contista e poeta. Estudiosa há mais de 40 anos de Karl Marx e da Literatura. Membro de várias entidades literárias nacionais e internacionais. Autora de diversos títulos nos gêneros ensaio e poesia e participante de antologias organizadas no Brasil e exterior. Organizadora e patrocinadora da coletânea Tempo partido 2020 – Resgatando sentimentos de humanidade. Novoestilo Edições do Autor. Coordenadora do Espaço de Múltiplos Saberes – ESMUSA no Ponto de Cultura – Cultura Nordestina Letras & Artes (Recife-PE).
[1] Karl Marx – (1818-2019) – Nasceu na cidade de Trier, em 5 de maio de 1818 – Alemanha (antigo território da Prússia) – Filósofo/economista/historiador. [2] CHASIN, J. (? – 1997) – MARX – da razão do mundo ao mundo sem razão – São Paulo – Cadernos Ensaio 1 – série grande formato – 1990.
Respostas de 6
Parabéns, uma escritora extraordinária entre outras qualidades. Com conhecimentos profundos, mostrar que
a fome precisa ser saciada para salvar a nossa literatura.
As palavras de Ivanilde traduzem reflexão,uma vez que no sistema econômico capitalista,o homeme é explorado pelo homem.Razão pela qual,foi criada a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.”É fundamental que,qualquer forma de governo seja pura sem demagogia,sem corrupção.
Professora Ivanilde
Meus sinceros elogios pela sua Narrativa da FOME de Que? Um mote muito abrangente que me fez lembrar de Sto. Agostinho. ” Sem o mínimo de bem material , não tem como sequer servir a Deus”.
Ivanilde, vc é uma das poucas pessoas que conheço em que tem esse conhecimento e não se ACANHA de verbaliza-lo o que nada me SURPREENDE, vindo de você integra, humana e artesã das letras sendo assim da arte. Que é o que nos salva. Tô errada? Não pare, seu legado é muito importante para os daqui terráqueos… Te amo.
Ivanilde, vc é uma das poucas pessoas que conheço em que tem esse conhecimento e não se ACANHA de verbaliza-lo o que nada me SURPREENDE, vindo de você integra, humana e artesã das letras como você mesmo assume, sendo assim da arte. Que é o que nos salva. Tô errada? Não pare, seu legado é muito importante para os daqui terráqueos… Te amo.
Nessa dicotomia, capital e trabalho, falta solidariedade e sobram injustiças. Parabéns, Ivanilde!