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Edições Pirata 45 anos: do Mangueirão às telas do cinema, por Salete Rêgo Barros

A Edições Pirata surge no Recife, no final da década de 70 do século passado, como um movimento libertário pelas letras e artes numa conjuntura política repressora, com a adesão de poetas e escritores oriundos de outros movimentos artísticos em Pernambuco, entre eles a Geração 65. Editar livros à margem do processo usual de editoração era o objetivo do grupo, e o primeiro livro editado foi “Pomar”, de Arnaldo Tobias, rodado nas máquinas do IJNPS – Instituto Joaquim Nabuco, em Apipucos. O fato de o livro ter sido produzido às escondidas deu nome ao movimento. Em seguida, foi feito um empréstimo bancário para a compra de um mimeógrafo de segunda mão e, para viabilizar as publicações, os autores participavam da vaquinha para a compra de material, e do roda-roda dos livros, muitos contando com ajuda de familiares.

Ao todo, 319 livros foram publicados de forma artesanal em espaços improvisados cedidos por simpatizantes do movimento, contando com a ajuda de um grupo crescente e entusiasmado em promover a democratização da expressão artístico-literária, dirigido por Eugênia Menezes, Myriam Brindeiro, Alberto da Cunha Melo e Jaci Bezerra, funcionários do extinto IJNPS, atual FUNDAJ, que se reuniam no bar próximo “O Mangueirão”, para traçar as metas e ações do movimento.

Neste contexto foram realizadas exposições de artes, shows musicais, espetáculos de teatro e recitais poéticos, envolvendo instituições culturais, públicas e privadas. A contrapartida era o apoio de artistas que cediam suas ilustrações, desenhavam capas e prestigiavam os lançamentos, apresentando-se sem cachê. O êxito do movimento Pirata deve-se, também, ao apoio da imprensa local, tornando-se não apenas um movimento editorial, mas um animador cultural da cidade do Recife, numa época em que a liberdade de expressão estava sendo colocada à prova.

Foram realizados quinze lançamentos individuais, doze coletivos, três deles no Recife e no Rio de Janeiro. Três foram os lançamentos infantis que constituíram a coleção Piratinha. O movimento apoiou dez pré-lançamentos ou relançamentos realizados por iniciativa dos autores. Editou três catálogos, em 1981, 82 e 84; em 1982, os números 4, 5, 6 e 7 do Jornal Cultura e Tempo, e a edição comemorativa do I Festival Nacional de Mulheres nas Artes, intitulado Maria Poesia. Colaborou com um evento científico da FUNDAJ, apresentando uma seleção de poemas relativos ao meio ambiente, selecionadas por Myriam Brindeiro em livros publicados pela Pirata; três números da revista Pirata Edições, em 1984 e 85, cujo conteúdo foi bem recebido pela crítica.

Na concepção da revista se incorporaram ao grupo Lúcia Menezes, Zuleide Duarte, Carlos Daconti e Maria de Lourdes Hortas, autores que colaboraram com o departamento de intercâmbio cultural, através do qual a Pirata chegou a ter correspondentes em Niterói, Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Paraíba, Sergipe, Argentina e Estados Unidos, na Universidade do Colorado.

Em 1985 o movimento foi extinto, e seus integrantes foram se incorporando a entidades congêneres, como a União Brasileira de Escritores – UBE, e a União Brasileira de Trovadores – UBT. Uma editora com o mesmo perfil alternativo surgiu em Olinda, dez anos depois – a Novoestilo Edições do Autor, atualmente com sede no Ponto de Cultura Nordestina, no Poço da Panela onde, em 2019, por ocasião de uma das reuniões da comissão organizadora da festa em comemoração aos 40 anos de fundação da Pirata, formada por Eugênia Menezes, Myriam Brindeiro, Juareiz Correya e Salete Rêgo Barros, o cineasta Paulo Lins e a produtora Cintia Paiva, da Afa Filmes Produções Cinematográficas, em conversa com a editora, fundadora da Novoestilo e produtora cultural Salete Rêgo Barros, entenderam que a produção de um documentário sobre a Edições Pirata seria fundamental à preservação do movimento para o seu reconhecimento pelas gerações futuras.

O fato de duas fundadoras e vários integrantes do movimento Pirata estarem atuantes e ansiosos por contar a história, também pesou na difícil decisão de seus idealizadores em encarar os desafios da produção de um filme sem recursos financeiros suficientes.

A solução veio com a promoção de um curso de cinema, pela Afa Filmes, e as inscrições dos alunos financiaram as gravações do documentário, inseridas em sua carga horária. As aulas teóricas foram realizadas nas dependências da unidade Derby da Fundação Joaquim Nabuco, instituição onde havia surgido a ideia do movimento há 40 anos.

Poucos meses após o início do curso veio a pandemia da COVID-19, e as gravações foram concluídas apesar da série de dificuldades provocadas pelo isolamento social. A escassez de recursos para a finalização da edição foi  sanada recentemente através da aprovação de projetos financiados pela lei Paulo Gustavo, e o documentário Edições Pirata, o Filme fará a sua estreia no cinema da Fundaj na unidade Derby, no dia 26 de agosto de 2024, às 19h, em comemoração aos 45 anos de fundação da Edições Pirata, completados no dia 17 de agosto. Infelizmente, durante esses 5 anos de espera, nos deixaram a compositora Myriam Brindeiro e o livreiro Tarcísio Pereira, da livraria Livro 7, local onde foram realizados vários lançamentos dos autores publicados pelo movimento.

Ficaram eternizados no documentário, através de depoimentos históricos: Myriam Brindeiro e Tarcisio Pereira (em memória), Eugênia Menezes, Andréa Mota, Luzilá Gonçalves, Maria de Lourdes Hortas, Marco Polo, Jomar Muniz de Brito, Cida Pedrosa, Cláudia Cordeiro e Raimundo Carrero. Fazem parte do documentário vídeos recuperados de lançamentos de livros com a presença dos poetas já falecidos Alberto da Cunha Melo e Celina de Holanda, e da atriz Geninha da Rosa Borges, entre outros.

Apesar de não ter participado ativamente do movimento Pirata, o roteirista e diretor Paulo Lins foi capaz de apreender o espírito do movimento, transformá-lo em cenas memoráveis e trazê-lo com maestria para as telas do cinema onde, certamente, transmitirá aos espectadores as emoções vividas por aqueles intelectuais que acreditavam na literatura como forma de transformar a realidade que permaneceu por 21 anos assombrando os ideais libertários do povo brasileiro.

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Respostas de 2

  1. A Biblioteca Pública do Estado fez uma Exposição com alguns livros da Edições Pirata agora em agosto de 2024.

    1. Sim, Telma. Ontem participamos do evento da BPE com a pré-estréia do documentário Edições Pirata, o Filme.

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