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À Mãe Terra, em súplica, por Maria de Fátima dos Santos Alves*

                            “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

                                  (Art. 225, Constituição de 1988)

 

Nós somos os privilegiados de um possível único corpo celeste que produz e abriga a vida. Somos o referencial do universo. Confesso que penso diferente. Afinal, por que a Terra é o único, com o privilégio da vida?  Até quando a ciência insistirá nesta defesa?

Mas o momento não é para polêmicas neste sentido. O objetivo deste breve ensaio é refletir sobre ações destrutivas contra a nossa Mãe Terra e as soluções possíveis para o resgate de todas as formas de vida, inclusive a humana. Sempre estou a questionar o que nós humanos, seres pensantes, temos realizado para garantir todos os benefícios que a nossa “mãe” nos entrega, para garantir a existência da vida.

Nos primórdios da sua existência, a relação homem/natureza era aparentemente mais simples para a sobrevivência, o que permitia a renovação dos seus recursos. O tempo passou, a humanidade deixou de ser apenas coletora, passou a produzir de acordo com seus anseios, construíram civilizações poderosas, alimentando a sede de poder e acreditando ser possível tudo dominar, inclusive a própria natureza, como fonte de exploração, esquecendo ser ela essencial para a vida. Uma cegueira que ignora a nossa total dependência. Uma visão na qual o que importa é o lucro, é um não à vida.  Não esqueçamos que esta é a essência do capital.

Interessante, conhecermos sobre o que fala a ciência e a mitologia, a respeito da nossa Casa Maior. Para os antigos gregos, a Terra, nascida do caos, foi a responsável pela organização do cosmo que estava em desordem, o que possibilitou a criação da harmonia, consequentemente da vida. Semelhante ao que diz o livro do Gênesis, quando fala da transformação do caos em ordem, e todas as criações, inclusive a humana… Gaia, considerada a mãe geradora de todos os deuses, portanto, a mãe da abundância, da prosperidade e do amor infinito.

Na espiritualidade, Gaia representa a energia feminina e a conexão profunda com a natureza. A força vital que mantém a vida no planeta, reverenciada como a divindade que promove a harmonia e o equilíbrio entre os homens e o meio ambiente.

No Brasil, os povos originários acreditam que a “Mãe Terra” fornece a água da vida que lhes dá a abundante provisão de alimentos. Uma sabedoria que vem dos seus antepassados na convivência intima com a natureza em todas as dimensões.

Quem sabe, a mitologia grega inspirou o britânico James E. Lovelock, no desenvolvimento dos seus estudos que propuseram ser o planeta Terra um super organismo, no qual tudo é parte de um todo. Em suas pesquisas, Lovelock defendeu um sistema que reflete equilíbrio ou relação entre todos os seres, criando a chamada Teoria de Gaia. É um dos responsáveis pelo despertar ambientalista nos anos 1960.

A Teoria de Gaia defende ser o nosso planeta um imenso organismo vivo e auto-regulador. Entretanto, impossível esquecer que sua capacidade de sobrevivência está fragilizada em um desequilíbrio que tomou proporções trágicas a partir da Revolução Industrial, quando os recursos naturais passaram a ser mais intensamente explorados.

Caminho até o século XVI, início da exploração portuguesa nas terras além-mar, no sul da então desconhecida América, quando a cultura canavieira marcou o despertar da destruição dos povos que aqui estavam havia milênios, bem como da natureza e de sua forma de existir. Neste período de quase seis séculos, as transformações são indiscutíveis. Até quando continuaremos a negar que a Terra está gravemente enferma, e consequentemente todas as formas de vida, inclusive a nossa?

O clima como nós o conhecemos está sendo transformado drasticamente, um bem comum de todos e para todos, um sistema complexo, essencial para a continuação da vida.  O aquecimento global, produzido pelas ações do homem com a queima de combustíveis fósseis, emissão de gás metano pela pecuária, poluição das águas, desmatamento, têm provocado consequências desastrosas, bem visíveis na atualidade: aumento da temperatura, aumento do nível dos oceanos, mudança nos padrões das correntes marítimas e das massas de ar, tempestades e furacões frequentes, ondas de calor e frio. É o que chamamos de extremos atmosféricos.

Na década de 1940, Josué de Castro, em suas obras Geografia da Fome e Geopolítica da Fome, fruto dos seus estudos e embasados em pesquisas, falava sobre as graves consequências para o meio ambiente, em razão da exploração desordenada e defendia ser possível o desenvolvimento sem agredir a natureza, bem como sobre os malefícios da monocultura, uma atividade que ainda é praticada nos latifúndios, uma herança maldita da colonização portuguesa.

Importante tem sido a Ecologia, um ramo da Biologia que busca compreender as relações entre os seres vivos e o meio onde vivem, que, em parceria com outras ciências, busca analisar e encontrar saídas para o futuro, possível. Um dos seus estudos pretende analisar as diversas pandemias e endemias ocorridas nas sociedades e que marcaram milhões de seres humanos em cada época, provocadas por vírus ou bactérias, transmissíveis entre animais e humanos, e certamente fruto das intempestivas práticas que a humanidade tem desenvolvido de total desrespeito para com o planeta. Muitos estudiosos defendem que “as atividades humanas estão exaurindo as funções naturais da Terra de tal modo que a capacidade dos ecossistemas do planeta de sustentar as gerações futuras já não é mais uma certeza”. Eles alertam também que o aquecimento global poderá ter efeitos devastadores nas áreas costeiras, agrícolas, florestas e na saúde humana. Importante refletir, especialmente para os pernambucanos, que a nossa capital, o Recife, é uma das que correm risco, em razão das inundações, decorrentes do nível dos oceanos.

Para o cientista brasileiro Carlos Nobre, é urgente combatermos as mudanças climáticas, ou o planeta poderá ficar inabitável até o final deste século. Estamos assistindo ao último grito, a nossa última oportunidade de vida. Muitos não acreditam e negam os estudos científicos.

A restauração das florestas, o desenvolvimento de uma agricultura sustentável, no caso específico do Brasil, restaurar nossos biomas bastante degradados, são os únicos caminhos possíveis, e será um exemplo e respeito para os demais países. Um dos grandes exemplos para a estabilidade climática a nível local e mesmo mundial está relacionado à preservação da floresta amazônica. Além de toda riqueza que pode gerar, com projetos sustentáveis perfeitamente possíveis, a chamada bioeconomia pode e deve ser implantada nos demais biomas, pois preservará a continuação do fenômeno chamado rios voadores[1], que ocorre na Amazônia. Assim, estaremos cuidando do ambiente natural e do humano. Salvando as futuras gerações.

O Papa Francisco é sábio ao afirmar em sua Encíclica Papal Laudato Si, que “Trabalhando juntos, homens e mulheres de boa vontade podem abordar a escala e a complexidade das questões que estão diante de nós, proteger a família humana e o dom da criação de Deus dos extremos climáticos e promover os bens da justiça e da paz”.  Nesta reflexão, fica bem clara a necessidade da união em todos os segmentos das diversas sociedades e dos poderes constituídos, como afirma a nossa Constituição no capítulo VI, artigo 225.

Educação, conhecimento científico, experiências com os saberes dos povos originários, consciência, debates em todos os níveis acadêmicos, desde o ensino básico até à Universidade, com a sociedade de modo geral, são caminhos para determos os extremos que já estão ocorrendo, aprenderemos a conviver com as mudanças e evitaremos que se agrave, é um caminho possível. Não existe outro, ao meu ver.

Nesse processo de conscientização, especialmente nas escolas e na sociedade de modo geral, o Poder Público aliado à mídia, que infelizmente nem sempre age corretamente, por estar a serviço de empresas, agronegócio, etc, tem um papel fundamental e poderá utilizar-se da poesia,  da música e das artes de modo geral, em um amplo trabalho de conscientização.

Confesso que o tema mexe com o mais profundo do meu ser, me angustia e me entristece por acompanhar diariamente o que temos vivenciado, desde a cegueira e defesa de interesses próprios por alguns que se dizem nossos representantes, a continuação de queimadas na Amazônia, a atual situação de municípios em São Paulo, especialmente por suspeitas de serem intencionais, no que acredito, a falta de compromissos dos poderosos para a solução dos conflitos bélicos em várias regiões do planeta, a fome, o caos, e, apesar e tudo isto, observar, quando muito, apenas uma tênue reação da sociedade.

      “…A voracidade do modo de acumulação é tão devastadora, que para alguns cientistas, estamos em uma nova era geológica: o antropoceno, portanto somos nós os responsáveis pela ameaça a vida. As ações são tão violentas que por ano mais de mil espécies de seres vivos desaparecem, inaugurando o que eles chamam de necroceno – a era da produção em massa da morte, na natureza e no interior da própria humanidade.  A Terra suplica atitudes diferentes para com ela: respeito a seus ritmos e limites, de cuidados por sua sustentabilidade e de sentirmo-nos mais que filhos e filhas, mas a própria Terra, que sente, pensa, ama, venera e cuida.. Nós precisamos dela, que pode não nos querer mais. Continuará a girar pelo espaço sideral, sem nós, porque fomos ecocidas e genocidas. Ainda podemos mudar o rumo. De uma coisa sabemos: a Terra não pertence ao homem. É o homem que a ela pertence. Viemos dela, somos parte dela e retornaremos a ela.” 

São palavras de Leonardo Boff, no artigo Coronavírus: uma Represália de Gaia, da Mãe Terra.

Finalizando, como já externei, o tema é doloroso em razão de tudo o que representa para a humanidade, em sofrimento, injustiça…  O futuro com o qual sonho, é que a sociedade perceba de fato o que está ocorrendo, busque dar-se as mãos, exigir dos governantes ações diversas para determos os avanços climáticos, ela própria corrigir suas falhas e cuidar corretamente da nossa mãe, e cultivar o que costumo chamar de Amor Maior – o bem querer por todos os humanos independente de etnia, classe social, gênero, cultura… O amor por si mesma, como parte integrante da vida. É um sonho, mas quando o sonho é de todos, deixa de ser utopia e será realidade. Viva a vida, Viva o amor. Viva a nossa Mãe – Terra, nossa Casa maior.

[1]  São massas de ar carregadas de água em forma de vapor que são transportadas pelo vento. Se transformam em chuvas, que caem sobre a Amazônia e segue para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil e países  como  a Bolívia e Paraguai.

 

 


*Paraibana, da cidade de Soledade, e antonense (vitoriense) por adoção.

Formada em História e Pós-graduada em História de Pernambuco pela Faculdade de Formação de Professores, atual UNIVISA.   É sócia do Instituto Histórico e Geográfico da Vitória de Santo Antão. Membro da Academia de Letras, Artes e Ciência (AVLAC) e da Academia de Letras do Brasil (ALB). É coautora do Livro didático História da Vitória de Santo Antão (2011). Tem artigos publicados nas revistas do Instituto Histórico e Geográfico da Vitória e nas antologias da AVLAC. Atualmente, desenvolve pesquisas sobre os antonenses Estevão Cruz e José Aragão.

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