Ao que cabe mulher e arte?
O que a literatura produzida por mulheres nos suscita na contemporaneidade?
O que torna Cida Pedrosa uma persona?
Esses questionamentos são a mim trazidos quando leio, sinto e reflito a potência dessa mulher. Não trago com isso conceitos literários, apresento, no entanto, o que é a personificação do que é essência em Cida.
Desse modo, Maria Aparecida Pedrosa Bezerra se faz uma mulher de múltiplas faces: escritora, advogada, feminista, militante dos direitos humanos, comunista e ativista cultural. Como um perfume, exala sua essência por onde transita, seja na esfera artística, pública, seja na privada. Articula essencialmente a produção literária à vida política. Assim tem construído seu trajeto entre a poeticidade que emana do desejo de construir um mundo mais humano, mais justo e mais igualitário.
Cida Pedrosa é natural de Bodocó, sertão do Araripe pernambucano, nasceu em 18 de outubro de 1963, no sítio Chico Lopes, filha caçula. Teve uma infância pobre, porém sempre ilustrada com metáforas de vislumbre da vida. Em 1978, foi para o Recife a fim de estudar; cursou o que hoje nomeamos de ensino médio. Nesse período, ainda adolescente, integrou o Movimento dos Escritores Independentes (MEIPE), nos anos de 1980, período da ditadura civil-militar.
A escrita, desde então, era para a poeta instrumento de resistência às imposições políticas que perduravam naqueles tempos sombrios. O movimento fez diversos artistas ocuparem as ruas, então; praças, bares, becos e vielas eram os espaços por onde transitavam os jovens, que criavam, produziam e distribuíam suas produções literárias, sob o risco de toda opressão que se dava naquele momento. Este caminho fê-la conhecer, também, a resistência aos movimentos literários que surgiam, contrapondo-se aos cânones literários do referido período; essa era, pois, outra censura que os jovens do MEIPE enfrentavam, naquele momento.
Posteriormente, ingressou na Faculdade de Direito do Recife e se tornou advogada, atividade que lhe rendeu uma luta intensa pelo menos favorecidos. No período de redemocratização do país – da década de 1980 e início da década de 1990 –, atuou como advogada dos trabalhadores da cana de açúcar na cidade de Palmares-PE, e pode sentir as violências que ainda existiam enquanto resquícios da recente conjuntura política, que, cronologicamente, já não se mantinha, mas que deixou um forte legado para manutenção das hierarquias e das opressões.
O primeiro enfrentamento que passou nessa atividade foi conseguir a credibilidade dos trabalhadores; pelo fato de ser mulher, era vista com desconfiança, o que configura evidente discriminação de gênero. Nessa época, muitos direitos, por lei, já eram estabelecidos para os trabalhadores, porém, em termos reais e práticos, não eram garantidos. Os trabalhadores, de início, não acreditavam que uma advogada à frente da causa pudesse trazer resultados. Essas atividades tinham a ajuda da igreja católica, que, na pessoa de Dom Helder Câmara, contribuía à efetivação dessa luta.
Advogando para as questões da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (FETAPE), conheceu o trabalhador Zé Hélio, líder do movimento sindical de Palmares, com quem teve um relacionamento e pode sentir efetivamente a crueldade dos perpetuadores dos “anos de chumbo”. Cida engravidou de Zé Hélio, e, aos sete meses de gestação, sofreu um atentado e perdeu o bebê. Uma imensa dor que se somou ao cruel assassinato do companheiro, quatro meses depois.
Nem mesmo essas feridas conseguiram parar a mulher que se tornava cada vez mais forte, mais resistente e mais certa do seu papel social. Assim, criava-se o perfume que dá a essência de Cida Pedrosa. Como multiface da mulher, tornou-se mãe de Francisco e Vladimir.
Atua politicamente no partido PC do B, ao qual agrega mais de vinte anos de filiação, e pelo qual chegou a disputar algumas vezes o cargo de vereadora na cidade do Recife. Na capital pernambucana, de 2001 a 2016, exerceu as funções de secretária-executiva do Comitê Municipal de Direitos Humanos e Segurança Cidadã, diretora da Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã e vice-presidenta da Autarquia de Saneamento. Na primeira gestão do Prefeito Geraldo Júlio, 2013 a 2016, foi Secretária de Meio Ambiente e Sustentabilidade. Atualmente, na segunda gestão do mesmo prefeito, atua na função de Secretária da Mulher.
A produção literária de Cida Pedrosa é tão forte e intensa quanto a sua vida, o que a faz ter um número expressivo de publicações, ser reconhecida e respeitada pela crítica literária a nível nacional e internacional. Assim, por exemplo, teve textos publicados em francês e espanhol. Foi a artista homenageada, ao lado do poeta Raimundo Carrero, no Baile dos Artistas, na cidade de Recife, em 2018, e recentemente recebeu, no mesmo ano, o título de cidadã recifense, na ocasião da publicação do livro Gris.
No meio literário, é aclamada como uma das escritoras contemporâneas de maior destaque, por saber unir o social e o poético. Escreveu vários livros, como Restos do Fim, O Cavaleiro da Epifania, Cântaro, Gume, As Filhas de Lilith, Claranã, Miúdos, Gris e Solo para Vialejo.
A autora tem uma temática diversificada e transita por vários gêneros poéticos, que vão desde a poesia popular tradicional até a mais elaborada linguagem contemporânea. A temática de sua poesia é outro fator que singulariza o seu trabalho, recorre a temas marginais, com metáforas do amor, do desejo e dos corpos.
A temática de gênero evidencia-se em toda sua obra; em As filhas de Lilith, que ganhou duas edições e que evoca nitidamente a emancipação do feminino nas suas mais intrínsecas particularidades. Tais questões atraem pesquisadores acadêmicos, culturais e artistas que utilizam os seus escritos para produção de outras linguagens da arte. Possibilitando-nos perceber a quão híbrida é a produção da escritora.
São itens que ressaltam a potencialidade de sua essência e a multiplicidade da sua existência. Para dizer de uma escrita que é semiótica, contida nas intrínsecas referências cotidianas. Para dizer do caráter político da (re)existência das questões que assolam todos os degredados e esquecidos. Para dizer da pedagogia mítica, pois é comprometida com os imaginários e seus substratos – metáforas, mitos e símbolos. E assim ensinam sobre a sensibilidade e a subjetividade. Sobretudo, para dizer que é infinita e que tudo cabe no perfume que exala da existência da sua essência.
Por Clécia Pereira
Mestra em Educação Contemporânea (UFPE/CAA). Integrante dO Imaginário – Grupo de Pesquisas Transdisciplinares sobre Estética, Educação e Cultura. Professora e Coordenadora Pedagógica da rede pública estadual em Caruaru – PE.
http://youtube.com/cidapedrosa
Serviço
Abertura do Destaque literário de março – Cida Pedrosa
Data: 3 de março de 2020 (terça-feira)
Horário: 17h
Local: Ponto de Cultura Nordestina
Entrada franca
Endereço: Rua Luiz Guimarães, 555, Poço, Recife-PE
Fones: (81) 3097-3927 | 9-93457572 (WA)
Respostas de 4
Maravilhaaa, parabéns para a CN pela escolha de tão importante escritora e ativista da cultura.
Ivanilde
Cida é voz que fortalece o feminismo com a potência literária que possui. Será um belo evento!! Parabéns a todxs!!!
Que coisa boa poder ver uma das maiores poetas da atualidade no Cultura Nordestina. Perco não!
Vai ser uma honra participar deste momento! Até lá!