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Porque hoje é Natal – Fátima Quintas

DIVULGAÇÃO SEMANAL DE ASSOCIADOS

Toca-me a simplicidade do Menino Jesus, nascido em uma manjedoura, não se sabe ao certo nem o dia, nem o mês, nem o ano. Em ambiente singelo, distante das postiças ostentações e dos dispensáveis artifícios, abre os olhos sob a leveza dos cânticos angelicais de querubins e serafins. Nasce humildemente, rodeado pela temperança dos sábios. E em Belém — cidade Palestina (Bet’lehem) que significa “casa do pão”, o “pão da Vida”, o germe da semeadura. A simbologia do alimento, talvez o mais importante dos alimentos, o pão, reveste-se de outras metáforas que vão se disseminando em sentimentos de comunhão entre os homens. A hóstia é feita de pão. E assim, da delicadeza da manjedoura, acode-me a emoção do amor universal.
Porque hoje é Natal, é tempo de plantar, como diz o Eclesiastes.
Lembro-me de Esopo em sua fábula extraordinária “Os caminhantes e o plátano”: “Uns caminhantes, no verão, cansados por causa do mormaço do meio-dia, como viram um plátano, avançando sob ele e tendo-se deitado à sombra, descansavam. Tendo levantado os olhos em direção ao plátano, diziam uns aos outros: “Como é inútil e prejudicial para os homens essa árvore sem fruto”. E ela, tendo ouvido, disse-lhes: “Ó ingratos, além de gozar da minha benevolência me chamais estéril e inútil?” O que dizer dessa magnânima sombra aos homens de alma formada? Sombra que acalma o corpo e devolve a paz às mentes intranquilas? Quem de nós não necessita de um oásis para acomodar sentimentos e tecer reflexões? Natal é renascimento, ritual de passagem em que as íntimas escavações produzem o efeito da serenidade. O regalo que almejo é a sombra do plátano de Esopo, a exuberância do celebrar a quietude, o sossego que vem de dentro, a pacatez do silêncio. O renascer anual reclama sólidas e verdadeiras liturgias. Naturalmente que nasço e morro todos os dias. As alvoradas me renovam, mas a caminhada pela possível ilha de Creta, na Grécia de Esopo, convida-me a defrontar-me com vários obstáculos. Não somente um ou dois ou três, pois a estrada é pedregosa, mas uma sequência diuturna que tem o nome de Vida. Aí, sim, encontra-se o núcleo da existência e o princípio maior da manjedoura; o som do Menino Deus a chorar, a rir, ou o movimento da Sua mão a abençoar os homens de boa vontade. Amém.
Porque hoje é Natal, é tempo de construir.
De deixar o pensamento pensar. De desfazer a malha de bilros para refazê-la de novo, tal qual Penélope na sua tapeçaria, a aguardar Ulysses. De não se acovardar diante da própria transformação. De sentar à sombra do plátano de Esopo e desfiar os doze meses do ano, calmamente, sem a sofreguidão dos mercantilistas, ungida tão somente da fé no ser humano e da crença no outro, anônimo ou nomeado. Quero pouca coisa: desejo apenas segurar uma mão num ímpeto de pura ingenuidade. Algo que se assemelhe às brincadeiras infantis de esconde-esconde. É essa descoberta, clamor pueril de espanto, alarme de alegria na visagem do amigo, encontro que se revela em si, que ando em busca. Busca que até pode ser frenética pela natureza da sua urgência. Agora. Já. De imediato. Não deixarei para amanhã. Preciso de ternuras, do mesmo jeito que preciso de pão. E habita-me o sentido primeiro da humanidade.
Há tanto a falar ou a silenciar! Nem sempre a palavra significa o suficiente. Prefiro os chistes, as paródias, as hesitações verbais, tudo o que se oculta por trás do explícito. Uma manjedoura aqui, um sino a tocar ali, os reis magos a se aproximarem, trazendo incenso, mirra, ouro, e o cenário da imaginação a compor a ambiência do meu grito mudo. Alguém ouvirá? Como afirma Santa Tereza D’Àvila, “a imaginação é a louca da casa”; então, ancorada nos delírios dos sonhos, estou pronta para remexer nas mais fundas gavetas da alma. E imaginar. Imaginar um mundo melhor.
Porque hoje é Natal, é tempo de colheita.
E porque hoje é Natal, trago um ramalhete nas mãos para oferecer gerânios a todos que por mim passarem. Não importa o nome, a cor, o credo, a nacionalidade; eis-me completamente desnuda para a cerimônia do abraço. Não me peçam solenidades, nem roupas novas, tampouco presentes comprados em lojas de montras majestosas. Opto pela simplicidade da manjedoura. Estou despida de artifícios, como uma monja descalça pelas planícies verdejantes. Deparar-me-ei com o plátano de Esopo, onde saberei usufruir da sombra e da segurança de ter os amigos por perto. É hora do Ofertório e da doação. Um gerânio em troca de um abraço; quem aceita o pacto?
Não somente porque hoje é Natal, mas porque todos os dias há que se regar a amizade, o amor, a devoção. Gota a gota, como o orvalho que não esquece seu ofício.

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