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Pão d’alma

 

A menina acordou. Dirigiu-se à cozinha. Destampou panelas. Vazias, brilhavam por dentro e por fora. Para despertar o brilho do alumínio, a mãe ficara até tarde, esfregando cinza. Sentia fome. Entristeceu. Logo a tristeza cedeu espaço à Sexta-feira santa: Esperança na doação de alimentos aos carentes, inclusive peixe.

A mãe não acordara. Pesavam-lhe os trabalhos de lavadeira, as eventuais faxinas e o desemprego do marido.  Se meus pais tivessem estudado…alegro-me por estar na escola.

Com a cabeça nas nuvens empurrou a porta do quintal e sentou no batente.   Se mamãe guisasse a Bibi? Hum! Até sinto o cheiro. Daria um bom almoço no Domingo de Páscoa. Não, foi presente da madrinha ao meu irmão caçula. O véu da tristeza cobriu-lhe o rosto.

Na Sexta-feira santa, junto à irmã mais velha, acomodava-se na calçada para ouvir músicas clássicas, que nem conhecia, mas admirava. Meu pensamento guia-se por mundos de felicidade, ignora que a música vem da casa ao lado. Não entendo por que estas músicas me fazem tão bem e minha alma passeia no céu.

Imagino-me adulta: trabalho com carteira assinada, tal meu pai desejava. Realizo dois desejos de minha mãe: um radinho de pilhas, e um relógio de pulso, igual ao da vizinha. Esquecida do sofrimento da galinha, da fome e da pobreza, entrego a Deus.

 


Cilene Santos

De Caruaru/PE. Escritora, graduada em Letras. Especialista em Linguística. Poeta, cordelista, membra da ACACCIL, da Rádio Horizonte da Poesia, da ACLC e da APP/Portugal. Presidente da UBE Núcleo Caruaru.

 

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Respostas de 4

  1. O seu belíssimo texto, me transportou a essa casa, vi as panelas brilhantes!!! Que aventura linda e perfeita a leitura nos permite viver!!! Parabéns minha querida Cilene.

  2. Excelente texto, com uma criação e conteúdo diferenciado com muita sensibilidade.
    Parabéns Fátima

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