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Tem santos no “arraiá”!, por Luciene Malta e Walter do Amaral

DIVULGAÇÃO SEMANAL DE ASSOCIADOS

O Ciclo Junino é uma das manifestações mais representativas da alegria e da fé do povo nordestino. Durante o período compreendido entre dia 19 março a 29 de junho, diversas formas de expressões de religiosidade – como promessas, novenas e procissões – são manifestadas nas ruas e nas igrejas, pelos milhares de devotos de São José, Santo Antônio, São João, São Pedro e São Paulo, como uma verdadeira expressão de gratidão pelas graças e milagres concedidos ou por aqueles que hão de ser alcançados por intermédio destes santos.
Entre as diversas formas de manifestação da religiosidade popular que encontramos neste ciclo, a primeira, que podemos destacar, acontece no dia 19 de março, dia de São José; é nesta data, que tradicionalmente, ocorre o plantio do milho – base para a culinária junina. São José é tido como o protetor da agricultura, e no imaginário popular, se chover nesta data, é sinal de que se terá uma boa colheita do milho, por isso, seus devotos realizam, neste dia: rezas, promessas e procissões ao santo, lhe pedindo para que derrame boas chuvas (RIBEIRO, 2008:23-24).
Outra manifestação da religiosidade popular característica deste ciclo, é a trezena de Santo Antônio, que são rezadas nos treze primeiros dias de junho, sendo encerrada no dia 13 de junho, dia do santo; é nesta data que se faz a distribuição, nas igrejas, do pão de Santo Antônio, o qual, segundo a tradição deve ser guardado dentro de uma lata de mantimento, para a garantia de que não falte comida durante todo o ano (RIBEIRO, 2008:27-28). Na cultura popular, Santo Antônio é mais conhecido como o santo casamenteiro, sendo assim, bastante devotado por jovens solteiras, que com o intuito de agilizarem os seus pedidos – o de arrumar um marido – fazem verdadeiras “crueldades” com o santo, como: tirar o menino Jesus do seu braço; virar o santo de cabeça para baixo; ata-lo a uma corda e mergulha-lo no poço etc. Sobre este lado casamenteiro de Santo Antônio encontramos vários versos, tais como:

Santo Antônio me case já
Enquanto sou moça e viva
Porque mio plantado tarde
Não dá paia, nem espiga!

Meu Santo Antônio querido
Eu vos peço, por quem sois;
Dai-me o primeiro marido,
Que o outro arranjo depois.

É no dia 24 de junho que celebramos o dia de São João, santo que deu origem ao Ciclo Junino. Entre as manifestações de religiosidade popular dedicadas a este santo, destacamos: as fogueiras, que são acesas na frente das casas, que simbolicamente representa a fogueira que Isabel mandou acender para avisar a sua prima Maria (a Virgem) que o seu filho João havia nascido (AMORIM, 1993:81); a Bandeira de São João, que segundo Thelma Linhares (2002):

Corresponde a uma procissão religiosa, acompanhada de dança, instrumentos de percussão ou uma bandinha. Levando à frente uma bandeira de pano, com a imagem de São João do Carneirinho, uma estrela e um andor. Sai nas primeiras horas da noite do dia 23, percorrendo várias ruas. Muita oração e cantoria durante o cortejo.

E o Acorda Povo, manifestação de caráter mais profana do que sagrada, na qual as pessoas se reúnem juntamente com cantadores e batuqueiros para saírem às ruas durante a madrugada do dia 24, com o objetivo de acordar os moradores para que estes também venham participar das festas dedicadas a São João; durante o cortejo, os participantes cantam o seguinte verso:

Acorda povo que o galo cantou
Foi São João quem anunciou
Que bandeira é essa que vamos levá
É de São João para festejá

O fim do Ciclo Junino é marcado pelas manifestações religiosas dedicadas a São Pedro e São Paulo. No dia 29 de junho, além das tradicionais missas realizadas nas igrejas, são realizadas as procissões marítimas, feitas por pescadores, com o objetivo de homenagear o seu padroeiro: São Pedro. Este também é popularmente conhecido como o protetor das viúvas, e guardião das chaves do céu. No que diz respeito a São Paulo, não encontramos, além é claro, da realização de missas, nenhuma manifestação de religiosidade popular que seja especificamente dedicada a este santo. Na verdade, poucos sabem que o dia 29 de junho também é dedicado a São Paulo, aquele que antes de um “encontro com Cristo” vivia da perseguição aos cristãos, mas que após este encontro passou a dedicar toda a sua vida na propagação da palavra de Deus.

O sincretismo religioso nos festejos juninos

Os festejos juninos e seus santos na sua correspondência aos Orixás, remetem ao imaginário sincrético, numa rede de simbolismos, evocando a transgressão da realidade na construção da divindade, mesmo em dupla pertença: o santo (católico) e o orixá (religião africana), reinterpretando a tradição.
A religiosidade afro-brasileira é um legado indireto do povo negro escravizado, com origem desde o período da colonização no Brasil. A Igreja Católica desempenhou importante papel neste processo, pois determinada a catequizar o povo escravizado, lhes obrigou a seguir a religião católica. O povo africano trazido ao país à força, deixando para trás suas famílias, suas origens e seus costumes, reconfigura sua identidade preservando sua religiosidade.
O sincretismo religioso se dá através do processo de identificação entre orixás e santos católicos. Berkenbrock afirma que:

O sincretismo é um fenômeno influenciado por inúmeros fatores e de modo algum pode ser observado apenas do ponto de vista teológico ou religioso. Exatamente por causa da complexidade, não se pode dizer que existem regras que possam explicar o desenvolvimento deste processo (BERKENBROCK, 1997:143).

Nesse contexto, os santos celebrados durante o mês de junho trazem em si a incontestável duplicidade de veneração, colocando lado a lado a representação católica e a simbologia da religião africana. Assim, durante o período junino, Santos e Orixás são adorados e festejados por católicos e povo de terreiro.

Nos cultos afro-brasileiros, São José, que é comemorado no dia 19 de março, é sincretizado ao Orixá Ogum, conhecido como o deus do ferro, da guerra e da tecnologia. Santo Antonio, comemorado em 13 de junho, é sincretizado com Oxossi, o Orixá da caça e conhecimento das plantas, é representado como índio. São João, comemorado no dia 24 de junho, é o Orixá Xangô, Orixá do fogo, do raio e da tempestade (como força da natureza), também é juiz, sendo ainda o Orixá da guerra e da justiça. São Pedro, comemorado no dia 29 de junho, corresponde ao orixá Exu, o mediador dos orixás entre si, dos Orixás com os seres humanos, dos seres humanos com os Orixás. Exu é a força da comunicação. Seu símbolo é o caminho ou Legbá, com assento na parte externa das casas (LIMA, 1997:8-14).

A manifestação da religiosidade, contextualizada na noção de identidade, sedimenta abstratamente os repertórios culturais representados na resistência e heterogeneidade intercultural. Não é possível fugir da crença arraigada em costumes, nem excluir maneiras de afirmar sua fé. A aparente subordinação da religiosidade africana à simbologia do catolicismo, percorre sinuosidades em um processo de negociação implícita, o que caracteriza a dupla pertinência religiosa.

Luciene Malta é secretária da LETRART, graduada em Comunicação Social com Habilitação em Relações Públicas, pela UNICAP, e Pós-graduada em Cultura Pernambucana na FAFIRE.

Valter do Amaral é graduado em Licenciatura Plena em História, pela UNICAP; e Pós-graduado em Cultura Pernambucana na FAFIRE.

Serviço:
Abertura do ciclo junino: dia 8 de junho às 17h00
– Trupe da Cultura: Adriano Cabral, Bernadete Bruto, Colly Holanda, Taciana Valença e Vera Nóbrega
– declamação: cordelistas Davi Teixeira, Meca Moreno e Luiz Carlos Dias
– forró pé-de-serra – Nerynho do forró
– comidas típicas

Sarau de Santo Antônio: dia 13 de junho às 19h00
– coordenação: Colly Holanda
– voz e violão: Cassius Cavalcanti
– comidas típicas

Encerramento do ciclo junino: dia 29 de junho às 19h00
– forró pé-de-serra – Nerynho do forró
– dançarinos
– comidas típicas

Local: Ponto de Cultura Nordestina Letras & Artes
Endereço: Rua Luiz Guimarães, 555, Poço da Panela
Fone: 81 3243-3927
E-mail: contato@culturanordestina.com.br

Ingressos: R$ 20,00

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