O poder de revelação encontrado na literatura faz de uma obra o retrato fiel do acervo intelectual e afetivo do autor. E com a obra de Eugênia não poderia ser diferente: todas as cicatrizes estão ali, impressionando o bom observador que, na leitura acurada se emociona e se encontra nas entrelinhas de suas escrituras.
Somente aos 40 anos de idade, Eugênia resolve dar à luz as suas reflexões amadurecidas no convívio da Fundação Joaquim Nabuco, onde trabalhou durante 30 anos, e anteriormente construídas no Sertão paraibano, mais precisamente na cidade de Taperoá, onde nasceu, palco de suas mais ricas experiências, onde carência e abundância moldaram sua personalidade, influenciando-a decisivamente nas futuras escolhas.
No Recife, Pernambuco, o cenário com que ela se depara é perfeito para a realização de suas fantasias infantojuvenis, onde a abundância do verde é equivalente à riqueza das vivências que permearam seus primeiros anos de vida.
Na moradia do Poço da Panela, onde Eugênia viu crescer os 5 filhos e vive há mais de 40 anos, o que se vê é um mosaico de sua existência em cada canto das áreas interna e externa, que se complementam e abrigam móveis da farmácia do pai, repletos de frascos vazios de perfume mas cheios de amor; trabalhos em crochê, fuxico e tacos, feitos pela mãe; acervo fotográfico familiar nas paredes; arranjos de plantas secas, feitos por ela, que traduzem a beleza sertaneja, e obras de arte assinadas por Romero Andrade Lima e Ariano Suassuna, seu primo e conterrâneo. “Minha mãe era irmã da dele” – sempre diz Eugênia ao se referir ao mestre Ariano, nome dado ao seu primeiro filho, em sinal de agradecimento àquele que, num dia distante, encorajou-a com a sábia e fundamental observação: “Você não é feia e tem cara de menina viva, inteligente”.
Amor à família e à terra que a viu nascer e crescer, assim como o forte sentimento de pertencimento e indignação perante as injustiças são os traços mais marcantes na vida e obra da socióloga e membro da instituição psicanalítica do Recife, Traço Freudiano, Eugênia Menezes. O popular e o erudito são conteúdos que se mesclam numa costura atenta à estética do texto, fiel às suas origens, influências e afetos conquistados nas veredas da vida, num linguajar distante da sofisticação desnecessária, pleno de metáforas, ternura, realidade e amorosidade.
Em As rédeas da escrita, Eugênia diz: “Eu acho assim: morrer deveria ser num dia como hoje, tempo de sentir a vida sem gosto, fardo, obrigação. Porque a vida tem hora bem leve, bailando na luz.” E mais adiante: “O verde luminoso da véspera vira musgo, e a atenção, presa na gota deslizando sobre a folha, não se detém na breve carícia, mas antecipa: ela vai cair e ser tragada. A gota caída, sorvida satisfeita, de vítima rotulada. Hora de ter pena do mundo ao ver o barco ancorado e só, os remos mortos. Passarinho, em dia assim, desafina. O coito dos cachorros é obsceno nesse divórcio com o mundo e a noite é insone, quando o barulho do relógio é trovoada. Hoje, há um dilúvio no meu peito e se afogarão comigo muitos a quem amo.”
Vejo que a proposta, da parceira Bernadete Bruto, de homenagens aos nossos escritores, através do ”Destaque literário”, não poderia ser mais pertinente aos objetivos da casa. Muitas vezes, estamos tão próximos às pessoas, que não conseguimos dimensionar o potencial nelas existente. Este reconhecimento se propõe a mostrar o trabalho de cada homenageado, colocando-o no pódio por um mês, tempo suficiente para que seja enxergado por olhos atentos, e avaliado o leque de possibilidades e alcance de sua obra.
Eugênia Menezes é o Destaque literário da Cultura Nordestina, do mês de abril de 2018. Até o dia 30, sua obra estará exposta e os eventos da casa falarão mais sobre isso.
O desafio é dar a visibilidade necessária aos nossos bons autores, para que as gerações futuras possam se orgulhar deles ao conhecer a história de uma época, contada através da literatura.