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O Recife: retalhos da história – Fátima Quintas

DIVULGAÇÃO SEMANAL DE ASSOCIADOS

Tenho em mãos gravuras da cidade em que nasci. E a lembrança fragmenta os fatos. Um ali, outro acolá. Pedaços que permanecem vivos na memória histórica. Importa, todavia, recordar o que não vi.

FATIMA

O Recife surgiu de um pequeno povoado de pescadores no areial defronte dos arrecifes, gente humilde que vivia em torno das águas dos rios e do mar. Pouco a pouco a região começou a receber as embarcações que vinham da Europa, trazendo mercadorias para os habitantes de Olinda. Entrementes, acelerava-se o embarque de açúcar, pau-brasil e outros produtos que daqui migraram. O movimento das embarcações crescia, a reclamar a construção de armazéns, à época, chamados de “passos”. Casas de residências de trabalhadores surgiam; comerciantes também se instalavam em sobrados, utilizados tanto para moradia, os andares superiores, como para o comércio, os pavimentos térreos. O Largo do Corpo Santo adquiria uma feição bela. E eu o vejo nas gravuras à minha frente.

Assim o bairro se desenvolvia; a primeira igreja levantada foi a capela de “Santo Telmo”, ou “Santelmo”, origem da Matriz do Corpo Santo. Os holandeses, ao chegar, instalaram-se em um prédio defronte dessa igreja e aí fincaram a sede do governo. Trataram logo de aterrar os alagados para expandir seus domínios. A ”Aldeia do Recife” ganhava novos ares. Ainda que a sua evolução tenha sido rápida, somente em 1709 o Recife foi elevado à categoria de vila e, mais de cem anos depois, 1823, alçou a hegemonia de cidade. Em 1827, adquiriu o título de capital da província de Pernambuco, retirando de Olinda tal regalia.

A história do Recife não pode ser esquecida, mesmo que a sua linhagem arquitetônica tenha sofrido perversas demolições: arcos, monumentos, igrejas, palácios (como o das Duas Torres ou o da Boa Vista). Vale registrar que, em 1644, Maurício de Nassau inaugurou uma ponte de madeira, ligando o bairro do Recife ao de Santo Antônio. No ano de 1865 a ponte foi substituída por uma de ferro, feita na Inglaterra e semelhante à da Boa Vista dos dias atuais. Saliente-se que, em 1917, sofreu uma grande reforma, mudando a estrutura para concreto e adotando o nome de Ponte Maurício de Nassau. Há uma história de saudade nessa ponte, aliás, de intensa saudade: dois arcos se exibiam, um em cada extremidade — o de Santo Antônio, construído em 1743 e demolido em 1917, arquitetura simples e bem menor do que o Arco da Conceição, que ficava na outra ponta. O primeiro arco tinha um nicho no alto, o qual, em 1746, recebeu uma imagem de Santo Antônio, esculpida em pedra pelo entalhador João Pereira. Por esse motivo, no dia 13 de junho, dia do santo patrono, festas religiosas e profanas ali se realizavam. A propósito: o Arco da Conceição, de acordo com as gravuras/fotografias, transbordava beleza e foi impiedosamente demolido em 1913. Igualmente ali aconteciam, no dia 8 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, inúmeras festas com participação popular. O comércio da redondeza fechava; as devoções revelavam o respeito da população à arte e ao místico; a fé recrudescia nas promessas encomendadas.

E a Cruz do Patrão? Coluna dórica, erigida em fins do século XVII, com seis metros de altura, encimada por uma cruz latina. Marco para os navios que entravam no Porto. Nas suas imediações, escravos eram enterrados, descuidadamente, ao léu. Sabe-se que muitos escravos não receberam acolhimento em modestas “sepulturas”, jogados na praia, corpos abandonados, o que causou grande espanto em cronistas, como relata a inglesa Maria Graham que presenciou urubus pinicando braços inertes. Por algum tempo, disseminou-se uma lenda: o local da Cruz do Patrão deveria ser evitado, sobretudo à noite, de onde sopravam lancinantes gemidos ou miragens de almas penadas. A Cruz do Patrão ainda existe; localiza-se ao Sul do Forte do Brum.

A Rua 1º de Março teve o nome de Rua do Crespo porque nela residiu o português Manuel de Sousa Crespo, que chegou ao Recife em 1648. O nome foi mudado para 1º de março, em 1879, com o objetivo de registrar o dia do fim da Guerra do Paraguai. Circulavam bondes de tração animal sobre trilhos, somente substituídos em 1914. Bom lembrar que a Livraria Ramiro Costa, uma das lojas mais tradicionais do Recife no século passado, inaugurou-se em 1888, exatamente nessa rua.
Muitos retalhos não sobreviveram. O Recife chora as perdas.

FATIMA QUINTAS

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