O fecho da epiglote
– Onde fica o vomitório?
– Imbecil! Nem o idiota desperdiçaria comida num tempo desses. Prenda o nariz com os dedos, feche a boca. Engula! Está vindo do século 19? Deixe-me ver os pés, as mãos. Uh, o que diria Marx?
O vomitório é o mundo, assim fez ele, a crise humanitária que se alastra Norte/Sul, Leste/Oeste. Não rebato, aconselho aos de juízo e dinheiro, abrir crédito para viver numa nave espacial no entorno do Planeta, até a esgotadura do combustível ou o fim do caos.
Uns partiram cedo, mas no transporte errado, morreram prensados. Fora da órbita flutuariam livres, leves e soltos em plena liberdade. A vergonha deveria cobrir de luto esta humanidade, que se despede banhada em sangue, maus-tratos à natureza, desprezo de uns pelos outros. Cavaram a sepultura e abriram o caminho para os Homus Deus. Estes sim, diria o Drummond, serão do xurupito.
A inteligência robótica nos domina e inferniza, pedindo prova de que não somos robôs. Números desconhecidos nos chamam para, em cinco segundos, certificarem que somos um número válido. Acrescente os crimes cibernéticos e a desinformação.
A inteligência humana tal mariposa se rende à luz dos aparelhos eletrônicos e com os empregos arrebatados pelas máquinas, a fome nos consome do espírito aos pés dos padres, pastores e afins. Por salvação resta nos os joelhos, degraus e milagres pés de cobra. A realidade rompe o ciclo da alimentação com a quebra do fecho da epiglote, unindo todos na mesma causa morte: asfixia frente à luz de um smartphone.
Ed Arruda
Do Recife/PE. Possui 26 publicações em antologias e o livro solo, Azul Sereno em verso e prosa.
Respostas de 6
Uma descrição perfeita do áspero momento em que vivemos e dos desafios que temos que superar, a cada dia, em busca da sobrevivência.
Realismo? Simbolismo? Nada pode descaracterizar o estilo do autor, que com muita propriedade nos brinda com mais um escrito.
Parabéns, caro Ed Arruda.
Parabens! texto reflesivo em tempos de omissáo!!
Ivanilde
Pois é, tempos cruéis,… tanta modernidade e excessiva miopia.
Sempre que leio textos como este, o seu, me pergunto se a modernidade nos torna menos humanos. Será que iremos nos tornar, a cada dia, mais máquinas, mais rápidos e ao mesmo tempo, menos sensíveis?Parabéns pelo texto!
Creio sim, os sinais são claros. Alguns cientistas dedicados aos estudos da inteligência virtual interromperam o trabalho para averiguar melhor a questão do domínio da máquina sobre os humanos.