O pão nosso de cada dia
Era cedinho, o Sol nem sonhava em acordar, e possivelmente dormiria até mais tarde. A Lua escondeu-se em algum lugar do céu, e era a garoa fina que afirmava que não se está sozinho nesse mundo. Todos os outros seres dormiam. Um cachorro rabugento, encolhido num canto da marquise, tentava agasalhar-se em si mesmo para não morrer de frio. As poucas árvores, que pontuavam a rua deserta, deixavam pingar umas gotas mais frias e mais grossas do que a garoa.
Guimomar do fato, como era conhecida, enrolada num pedaço de plástico surrado, seu casaco de frio, trazia uma rodilha de pano bem alvinho, feita de saco de açúcar, sobre a cabeça. Sobre a rodilha, a lata bem encardida de fumaça fazia o contraste com a rodilha, mas combinava com a cor da pele daquela criatura que, sem sequer tocar na lata, equilibrava a vasilha cheia de vísceras de boi, que havia passado a noite lavando na beira do rio.
O fedor de fumaça misturado com o mau cheiro do fato iam “perfumado” o caminho por onde Guiomar do fato passava. Até chegar no barraco onde morava, era esse o cheiro que deixava pra trás.
O dia começava a clarear, e nada de sol. De longe enxergou Mocinha, a filha mais velha, com dezesseis anos, sentada no batente da porta. A barriga de Mocinha estava enorme, já estava nos dias de parir.
A gestante levanta-se com dificuldade para ajudar a mãe a descer a lata de fato da cabeça.
– Acabei de coar o café, Guiomar! – Disse a filha. A mulher assovia de cansaço, e responde: – E eu trouxe o pão nosso de cada dia.
Tião Souza
Natural de Ipiaú, interior da Bahia, reside em Ilhéus/BA. É professor, mestre em Ciências da Religião e escritor. Publicou 12 livros infantojuvenis pela editora Prazer de Ler, distribuídos em território nacional. Tem duas publicações pela editora Enseada das Letras. É associado à Academia Literária de Música e Artes de Salvador – ALMAS.
Respostas de 5
O tema é arrebatador… quem lê fará uma reflexão… Tião Souza, bem o descreve.
Um tema profundo, a nossa realidades. A fome da justiça social.
Parabéns .
Parabéns pelo tema !! Até quando vamos continuar vendo tanta gente passando fome? Fome de alimento e fome de justiça social.
A riqueza de detalhes nos lança no cenario fazendo-nos participar do fato como se o víssemos desenrolar ao vivo.Esta propriedade é presente em pessoas de sensibilidade aguçada e capacidade de transportar quem lê ao contexto do tema.Voce entrega o que escreve, com simplicidade e verdade.Parabens, pelo tema!!!
Parabéns pela escrita, Tião.
Que o ¨pão nosso de cada dia¨ do povo brasileiro, chegue menos sofrido.
Essa fome de injustiça social é inadmissível.
Esperança em tempos melhores